Capítulo 822 - A Ponte
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No coração de Uhr’Gal, onde a dor ainda estava presente e a sede de vingança transbordava em cada orc de lá, a Khan Shara’Kala, uma líder feroz, mas confusa em relação a Cruz, estava determinada a descobrir mais sobre o que realmente tinha acontecido. Com os ânimos dos orcs cada vez mais acirrados, ela sabia que precisava entender as intenções de seu prisioneiro e dos visitantes humanos, para levar informações para o seu povo, acalmá-los um pouco, e entender melhor quem estava naquela jaula, quem eles estavam prestes a condenar pelo massacre.
Pensando em garantir uma lisura e criar um elo de confiança entre eles, Shara'Kala abordou os visitantes discretamente, convocando Ye Yang, Jaha e Yang Chao para uma conversa mais privada, longe dos olhares dos outros orcs.
Enquanto os três caminhavam na direção de Shara’Kala, com expressões sérias depois de descobrir sobre Catarina e a total falta de um álibi para Cruz, cientes da delicadeza da situação, eles finalmente chegaram a uma distância segura de ouvidos curiosos, e a Khan cruzou os braços, olhando de maneira intensa para cada um deles, e sussurrou: “Me encontrem no vale em quinze minutos!”
Os três imediatamente olharam para o horizonte atrás da Khan e viram um vale bem longe da cidade. Eles também entenderam, por causa do sussurro, que a Khan estava fazendo algo que não era aprovado pelo seu povo, e que, de alguma forma, ela estava se arriscando somente por estar sugerindo aquilo.
Após uma rápida troca de olhares entre eles, Ye Yang, Jaha e Yang Chao concordaram silenciosamente e sem fazer qualquer movimento. Somente pelas suas posturas, Shara'Kala entendeu que eles aceitaram encontrá-la.
Os olhares do orcs, nem um pouco receptivos aos investigadores humanos que estavam tentando salvar o algoz de suas famílias, estavam totalmente voltados ao trio, com um ódio profundo e uma enorme vontade de matar aquelas criaturas que agiam para impedir que a vingança de seus entes queridos fosse impedida.
O clima hostil acompanhou os três por cada passo que eles deram entre os orcs. Até que saíssem de vista, a multidão os encarava sem desviar os olhares.
Yang Chao, pensando em um cenário mais abrangente e no dia em que começou a aliança com Uhr’Gal, estava profundamente revoltado com os responsáveis pelo massacre ocorrido ali, que deu vida àquela desconfiança e estava prestes a destruir muito do que eles tinham construído nos últimos tempos.
No caso da eclosão de uma guerra contra Uhr'Gal, além dos orcs, outras raças começariam a se afastar e até se tornariam hostis em relação à humanidade. Toda a busca por aliados em prol de um inimigo em comum e muito mais importante estava em risco por causa dos atos de alguém que parecia não se importar com ninguém.
Finalmente, após se afastarem, os três se dirigiram ao local indicado pela Khan, e assim que se aproximaram, viram Shara'Kala esperando por eles às margens de um riacho.
Apesar do cenário agradável, a expressão da Khan era muito séria, e assim que os chegaram, ela acenou para que eles se aproximassem.
“Quero saber exatamente o que vocês conversaram com o prisioneiro Cruz…” Shara’Kala iniciou a conversa, com uma voz firme e fria, mas que carregava um fundo de curiosidade: “E quero saber mais sobre ele... Sobre sua personalidade, suas alianças, e o que ele estava fazendo no dia do ataque ao meu povo. Sejam sinceros, porque eu não sou tola para ignorar possibilidades.”
Ye Yang trocou um olhar com Jaha, percebendo que Shara’Kala buscava algo além das palavras. Ela queria conhecer a verdade que estava por trás dos olhos de Cruz, e ali estava uma oportunidade de construir uma ponte. Ele, então, decidiu ser completamente sincero, pois parecia estar diante de uma chance única de conquistar uma aliada importantíssima naquele momento tão delicado e confuso.
“Cruz é um homem complexo, Khan…” Ye Yang começou, coçando a cabeça enquanto mantinha um tom de respeito, mas era bastante direto: “Ele tem personalidades múltiplas devido a um transtorno que chamamos de esquizofrenia. Ele é volátil, eu admito, mas nunca foi alguém com intenções malignas. Na verdade, apesar de seu jeito imprevisível, ele sempre agiu para proteger aqueles que considera amigos. Ele é leal, mesmo quando sua mente está confusa. De alguma forma, ele conseguiu transformar o seu transtorno em algo benéfico para ele, algo que somente ele sabe explicar exatamente como funciona.”
Jaha imediatamente concordou com um aceno de cabeça, acrescentando logo em seguida: “O que precisamos entender é que Cruz nunca demonstrou um comportamento extremo que justificasse um ataque a um planeta inteiro. Sim, ele pode ser impulsivo, mas não a ponto de cometer um massacre indiscriminado. Tudo que conhecemos sobre ele aponta para o contrário.”
Yang Chao, por sua vez, adicionou seu ponto de vista como alguém que não era próximo de Cruz, mas que sabia avaliar as pessoas e compreender as coisas que escutava: “Nós sabemos o quanto ele já se sacrificou para salvar os outros, Khan. O próprio fato de ele ter se entregado aos orcs para impedir um conflito maior mostra que ele é capaz de colocar os outros acima de sua própria vida e que ele acredita em sua inocência acima de tudo.”
Shara’Kala observava cada palavra com atenção, analisando tanto as palavras quanto seus locutores. Ela sabia que orcs e humanos tinham visões diferentes sobre a honra e o comportamento, mas ela também conhecia um guerreiro justo quando via um. E era isso que mais a incomodava em tudo aquilo… Cruz não acendia nela o alerta de perigo e repulsa que deveria.
“Vocês realmente acreditam que Cruz é inocente? Ou isso é apenas uma esperança cega de amigos?” Shara’Kala indagou, com sua voz carregando uma curiosidade sincera, quase desafiante.
“É muito mais do que amizade, Khan…” Jaha respondeu , antes de continuar: “Eu preciso te revelar um cenário mais amplo do que orcs e humanos… Você deve saber que estamos lidando com uma organização humana conhecida como ‘O Olho’. Eles são inimigos ardilosos, inteligentes e manipuladores. Eu não duvido que agora mesmo eles estão por trás de muitos ataques futuros que tentarão colocar raças umas contra as outras, para poder impedir que nós tenhamos tempo para ir atrás deles. E eu posso afirmar, também, que eles têm o poder e os meios para incriminar alguém como Cruz e fazer isso de maneira que seja difícil provar o contrário.”
A menção do Olho capturou a atenção de Shara’Kala. Ela sabia que havia uma organização humana que frequentemente se metia em conflitos e causava desordem entre as raças, desestabilizando poderes e dominando o submundo de muitos planetas. No entanto, saber que esse grupo poderia estar envolvido em um incidente que ameaçava a paz frágil entre orcs e humanos trazia uma nova luz à situação.
“Vocês têm provas de que o Olho está envolvido no ataque ao meu povo?” Shara’Kala perguntou, com sua voz carregando uma nota de ceticismo, mas implicitamente querendo obter uma resposta que livrasse o Cruz daquela jaula.
Ye Yang balançou a cabeça de forma frustrada e respondeu: “Não temos provas concretas ainda, mas o ataque a Uhr’Gal e a incriminação de Cruz seguem o mesmo padrão de outros incidentes nos quais eles estiveram envolvidos. Como eu disse antes, eles são ardilosos e utilizam métodos que deixam suas vítimas indefesas para se defender.”
“Eles atacaram a nossa casa, assim como a vocês!”
“Quando estávamos fora, eles invadiram o nosso lar e mataram muitos dos nossos…”
“Assim que retornamos, nós fomos atrás de vingança e desmantelamos uma enorme rede de espiões e terroristas deles, atrapalhando bastante as suas ações em Decarius. E logo após a gente fazer isso, o incidente em Uhr'Gal aconteceu.”
“Isso, com certeza, foi a resposta deles às nossas ações para combatê-los e enfraquecê-los.” Te Yang encerrou, revelando o que realmente pensava de toda aquela confusão.
Yang Chao, por sua vez, continuou o raciocínio de Ye Yang, dizendo: “Eles manipulam eventos e mentes com uma precisão assustadora, Khan. E considerando o estado atual de Cruz, é possível que ele tenha sido um peão nas mãos deles, manipulado sem saber. Ainda mais quando colocamos Catarina na equação.”
Ao ouvir o nome Catarina, Shara’Kala estreitou os olhos, e um leve brilho de curiosidade misturado a algo que poderia ser interpretado como ciúme passou por eles. Ela manteve a compostura, mas rapidamente perguntou: “Catarina… Quem é essa mulher? Ela tem alguma conexão com o que aconteceu?”
Jaha respondeu com cautela, percebendo a mudança sutil no olhar de Shara’Kala: “Ela é, ou foi, a namorada de Cruz. Ele a conheceu em uma festa e se apaixonou profundamente. Mas descobriu que ela era casada, e que ela nunca foi honesta com ele. Isso levanta muitas suspeitas de que ela possa estar envolvida com o Olho ou que tenha sido uma isca.”
Shara’Kala permaneceu em silêncio por um momento, com sua expressão ainda indecifrável perturbando os três. O nome Catarina parecia reverberar em sua mente, como uma peça de um quebra-cabeça que ainda não fazia sentido. No entanto, ela sabia que precisava manter o foco e afastar os seus sentimentos, mesmo que ela ainda não soubesse dizer o que eles eram.
“Vocês acreditam que essa Catarina é a chave para provar a inocência de Cruz?” Shara’Kala perguntou, com sua voz firme mas com uma curiosidade que ela não conseguiu esconder completamente.
Ye Yang assentiu, antes de responder: “Ela pode ser. Se conseguirmos rastrear seus passos e entender seu verdadeiro papel nisso tudo, talvez possamos provar que Cruz foi apenas mais uma vítima. Mas isso será difícil, porque ele estava sozinho no dia do ataque, em uma cidade pequena e afastada. Ele descobriu que estava sendo enganado no mesmo período em que o ataque aconteceu.”
Jaha interveio, dizendo: “E precisamos ser rápidos, Khan. Zao Tian, nosso querido amigo, infelizmente não espera por ninguém, e a última coisa que precisamos é uma guerra que poderia destruir ambos os lados. Se a Khan nos apoiar nessa investigação, poderíamos salvar muitas vidas.”
Shara’Kala, percebendo a sinceridade e a urgência nas palavras dos três, ponderou por alguns momentos. Era evidente que seus corações estavam alinhados em proteger um amigo e evitar uma guerra. E, de alguma forma, a ideia de uma mulher enganando Cruz a incomodava de uma maneira que ela preferia não reconhecer.
“Eu vou considerar o que vocês disseram…” Shara’Kala finalmente respondeu, com sua voz mais suave, mas ainda cheia de autoridade: “Se essa Catarina for realmente a chave e o Olho está por trás do ataque ao meu povo, vocês terão a minha ajuda para conversar com Cruz. Eu posso me aproximar dele sem levantar suspeitas, então, serei a ponte entre vocês e ele, mas não se esqueçam… O tempo está contra vocês. O julgamento de Cruz acontecerá em breve!”
Ye Yang, Jaha, e Yang Chao assentiram, sabendo que tinham conseguido uma pequena vitória. Eles estavam determinados a encontrar Catarina, e provar a inocência de Cruz antes que Zao Tian decidisse que era hora de intervir. E agora, com ajuda da Khan, que poderia solucionar dúvidas rápida e diretamente com Cruz, as coisas pareciam ter melhorado um pouco.
Enquanto os três se preparavam para sair, Shara’Kala observou-os, com sua mente ainda ponderando sobre o que tudo aquilo significava. Talvez, apenas talvez, ela tivesse encontrado uma razão para confiar um pouco mais nos humanos e no prisioneiro intrigante que tinha nas mãos. Contudo, ainda assim, o tempo era o verdadeiro inimigo da verdade.