Capítulo UHL 1094 - Futuro
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O ar do Vale da Esperança pareceu afinar depois das últimas palavras de Íxion. A luz que o domo de diamante devolvia ao mundo limpa, facetada, como um lago sem vento, ficou mais fria por um instante, como se a própria estrutura estivesse retendo o fôlego.
“Ele se colocou diante de nós.” A frase atravessou a linha dos deuses Protetores. Era só um fato dito em voz alta, mas foi mais do que o suficiente para incomodar: “Diante de nós… pelo lado deles.”
Ninguém corrigiu.
O silêncio se partiu primeiro entre os semideuses. Murmúrios baixos e respirações calculadas. O desconforto tinha a temperatura de água que ainda não ferve, mas já queima a língua. Os Protetores, por sua vez, mantiveram as mãos firmes, ou tentaram, e cobriram a hesitação com uma máscara de rotina. Ainda assim, era impossível negar a evidência…
A presença de Íxion mexia com algo que nenhum deles controlava. A energia dele empurrava o entendimento do universo inteiro e de suas origens meio palmo para fora do lugar.
“Falem…” Íxion falou, sem levantar a voz: “Poupem-se do esforço de criar coragem em silêncio.”
Nesse momento, o Protetor de elmo escarlate avançou até que o brilho do domo dispusesse um contorno nítido em sua silhueta. O olhar dele não piscava, mas as narinas inflaram como as de um bicho que fareja o próprio medo.
“Um condenado não exige, Íxion!” Ele respondeu, antes de prosseguir com um olhar de repulsa e inquisidor: “Ele responde!”
Depois, o mesmo deus Protetor começou a fazer uma série de questionamentos acusatórios: “Por que está protegendo mortais? Por que protege uma bolha de covardes? O que eles lhe deram… sangue de deuses, ossos de deuses? Você devorou alguém, foi isso?”
“Responda!”No momesmo intante, o de elmo negro rosnou, com a voz arranhada: “Ou admita que preferiu apodrecer como um mascote humano.”
O nome dele, “Íxion”, dito assim, em sequência, não tinha intenção de reconhecer. Era como um prego, martelado para que o passado ficasse deitado onde eles desejavam.
Íxion não respondeu de imediato. Parte porque não devia satisfação alguma a eles. Parte porque algo nele, sob a pele, atravessava os ossos como um rio secreto encontrando a nascente. Era sutil, mas estava presente. Uma pulsação que não era produto do Tártaro… o Tártaro tinha o gosto de ferro e fuligem, mas este pulso era outra coisa. Mais antigo e sem fumaça. Uma presença que não existia na realidade que ele conhecia. Uma lembrança que nem ele sabia dizer de onde veio, como veio e de quando era. Mas ele a reconhecia.
Bem no fundo de seu ser, Íxion sentia que mesmo que renascesse mil vezes, em todas as suas vidas aquela lembrança estaria presente.
Por causa do que vinha acontecendo dentro de seu próprio corpo, Íxion franziu o cenho, não por dor, mas, sim, por estranheza. A cada frase vinda dos Protetores, a cadência interna ajustava um dente a mais, como uma engrenagem que, enfim, encontra a cremalheira certa.
Aquilo não era crescimento bruto, nem de músculo sobre músculo. Era como se cada fio do que ele era se encaixasse no lugar correto, e o encaixe rendesse potência. Íxion sabia reconhecer venenos, e aquilo não tinha gosto de veneno. Nem parecia conquista, parecia… benevolência. E essa possibilidade, para um deus traído, era mais difícil de aceitar e entender do que qualquer tormento.
“Eu não devorei ninguém!” Ele disse enfim: “Eu apenas sobrevivi onde vocês me deixaram.”
No mesmo instante, o Protetor de elmo escarlate estreitou os olhos e afirmou:
“Mentira!”
“É mais pura verdade!” Devolveu Íxion, sem calor em sua voz: “E se fosse mentira, ainda assim vocês não a mereceriam.”
Depois de dizer aquilo, ele inclinou de leve a cabeça, como se escutasse alguém de muito longe.
Não tinha nada. Só o som que vinha do vento, das pedras, das água. Mas ainda assim, ele parecia escutar alguém ou algo em seus ouvidos. Alguém que queria falar, que estava com os lábios encostados em sua orelha, mas não emitia som, ou talvez, ele não conseguia escutar por algum motivo que ainda não soubesse qual era.
Íxion internalizou essa suspeita como quem segura com os dentes uma lâmina que não deve cair, e voltou a encarar os seus ‘irmãos’.
“Vocês me perguntam por que estou aqui…” Ele retomou a fala, antes de desabafar: “Eu estou aqui, porque não me interessa ver mais ninguém sendo engolido pela podridão que eu conheço por dentro. Porque é aqui que o futuro vai escolher se respira, como respira e quem respira.”
A palavra “futuro” soou como ofensa para os deuses. Um dos Protetores cuspiu no chão de forma reativa, como se cuspisse na própria etimologia dela.
“Futuro de mortais… Isso é ridículo!” Ele desdenhou, antes de continuar: “Nós somos o futuro! Os únicos detentores deste conceito!”
“As vidas dos mortais são meros grãos de poeira no tempo… suas vidas, mesmo somadas, não nada perto da eternidade!”
“No fim, ou melhor, no futuro, apenas nós, deuses, ainda estaremos de pé!”
“Somos nós que testemunhamos e testemunharemos o que vem a seguir!”
“Nós somos o futuro!”
“O futuro só existe em nós!”
“Mortais não são nada além de eventos passageiros na história… eles estão mais para o passado do que para o mero presente!”
Quando terminou de falar, o deus Protetor parecia espumar pela boca. Em todo seu discurso para refutar Íxion, ele deixava claro como o conceito de futuro era enxergado pelos deuses e como as vidas dos mortais eram tratadas como meras letras no livro da história que somente os deuses veriam o fim, se houvesse.
Para os deuses, a eternidade era a única representação de futuro que podia existir, pois diante de uma escala tão grande e infinita de mensuração, mesmo um ser mortal que vivesse por milhões de anos era considerado provisório… transitório… com uma data de validade maior, porém, inescapável.
Íxion entendia esse conceito, esse pensamento. Ele já viveu baseado nisso. Ele já pensou assim, já foi assim. Contudo, depois de tudo o que passou, de tudo que viu e de tudo que sentiu ao longo dos milênios sendo castigado pela sua própria raça e no pouco tempo em que passou com os humanos e viu como eles não eram tão diferentes assim dele, sua forma de pensar tinha mudado muito, e, embora as comparações em termos de longevidade ainda fossem inegáveis, um novo conceito tinha se formado em seus pensamentos… um conceito de comparação que ía além da individualidade de cada ser e que podia rivalizar com a eternidade dos deuses.
“O futuro de qualquer coisa que não se ajoelhe pode e se tornará maior do que qualquer deus que arrote aos quatro ventos sua eternidade!” Íxion quase na hora, e os olhos dele, por um instante, brilharam com a convicção de um ideal que tinha sido gravado em seu espírito como uma tatuagem: “Eles são ainda mais longevos do que qualquer um de nós pode pensar ser, porque suas lutas, seus ideais, seus futuros não pertencem a uma única vida, nem a uma única geração!”
“Eles perduram a ideia de liberdade desde antes de terem-na!”
“Isso é passado entre gerações e é mais antigo do que até mesmo você, deus de segunda geração!” Íxion fez questão de enfatizar aquele ponto quando falou da luta e dos ideais dos humanos, que eram mais antigos do que o próprio deus Protetor que se dizia ser eterno.
“Você renasceu, mas se lembra de quem foi?” Íxion perguntou, retoricamente, antes de prosseguir: “Você é a sombra de alguém que existiu… uma cópia condenada a ser impressa sem memórias, sem propósito e cerceada do direito de aprender com o que viveu ao longo de toda a sua tão amada e superestimada ‘eternidade’!”
“Vocês se dizem donos de tudo, mas são apenas servos de uma hierarquia que os acorrenta por toda a eternidade! Se tem algo que sabem fazer é ajoelhar-se!”
“Vocês se dizem superiores a todas as formas de vida, mas estão sempre de cabeça baixa para alguém. Estão sempre com as testas no chão, se humilhando com medo da morte!”
Quando Íxion terminou de falar, o deus Protetor de elmo negro fez menção de avançar e a linha ao redor dele inclinou.
Não houve rompimento da ordem. Não por falta de vontade, mas, sim, pelo hábito da obediência.
“Você fala como se fosse maior do que é…” O Protetor de elmo escarlate resmungou, enquanto tentava atingir Íxion por dentro, nas memórias: “No Tártaro, você chorou. Pediu perdão. Agora posa de guardião de humanos? Conte-nos o preço. Diga os nomes. Quem o tirou de lá?”
Os olhos de Íxion viajaram devagar. Primeira, eles deram uma passada pelo domo, pelo brilho familiar nas passarelas internas, depois, pelos rostos atentos que haviam decorado o jeito de permanecer em silêncio em vez de rezar. Ele pensou em Gaspar, apesar de não tê-lo conhecido ainda, que moldara o diamante; pensou em mãos mortais que trouxeram água, comida e roupas que ele recebeu, mesmo sem ainda ter conquistado a confiança de todos.
Pensou nas palavras de Zao Tian no dia em que ele foi tirado do Tártaro.
Íxion pensou no novo caminho que foi oferecido a ele.
“Não devo nomes a vocês!” Com uma certeza inabalável, ele então respondeu: “Não devo pedidos de perdão. Não devo nada a nenhum deus!”
“A única dívida que tenho é com aqueles que me acolheram mesmo sendo aquilo o que eles mais repudiam!”
A resposta dele não elevou o tom, mas desferiu uma espécie de medida. As palavras de Íxion não carregavam um partidarismo raso, carregavam o peso de alguém que não troca a direção do corpo por conveniência, já que o corpo já foi moído. Do outro lado do domo, ouviu-se um assentir de botas contra pedra. Não era aplauso. Era um reconhecimento de linguagem.
Junto a esse momento único para ele e todos ali, a energia dentro de Íxion acendeu mais um grau. Aquela estranheza, a mesma desde que pusera o pé para fora da proteção, agora desenhava linhas finas na pele, quase imperceptíveis: sulcos luminosos que acendiam e apagavam como nervos.
Os Protetores viram e, sem admitir, recuaram o queixo meio dedo. Os semideuses apertaram os punhos até os nós estalarem, aguardando a ordem que o vínculo entre eles trazia como ferro quente na nuca.
“Isso não é dele…” Pensou o de elmo escarlate, engolindo a própria dúvida como se fosse saliva amarga: “Não pode ser dele.”
O de elmo negro chegou à mesma conclusão, mas deu outro nome ao incômodo:
“Heresia...”
Ninguém falou a palavra em voz alta. Ela estava nas expressões carrancudas, no cuidado exagerado de onde plantar o pé, no modo como o ar foi ficando mais pesado, um peso que não descia do céu nem subia da terra, mas parecia crescer a partir do próprio Íxion, em silêncio. Era como se o condenado não estivesse “reunindo poder”, e sim sendo reconstruído por alguma coisa invisível, para que chegasse ao tamanho exato que deveria ocupar.
Do lado de dentro do domo, os soldados do Vale também sentiram. Não foi êxtase, não foi alívio. Foi uma vertigem curta, como quando se olha por um buraco e percebe que o buraco olha de volta.
Íxion, no foco, inspirou devagar. O ar entrou igual ao de qualquer outro, mas o corpo o transformou em outra coisa. Algo que se adensou um instante e, então, estabilizou.
Ele não sorriu. Só parou de estranhar. O desconforto deu lugar a uma certeza que não precisava de metáforas: “é meu”. Não foi usurpado, não foi pedido, não foi comprado… foi concedido.
O Protetor de elmo escarlate percebeu o exato instante em que o olhar do condenado parou de procurar explicação e passou a aceitar o estado das coisas. Foi quando ele rosnou, mas não atacou:
“Que método é esse, Íxion? Quem está por trás de você?”
Íxion sustentou o olhar, e a resposta veio rápido e acompanhada de um sorriso: “Eu.”
“Mentira!” o Protetor de elmo negro refutou, antes de dizer: “Você é só um nome velho numa boca nova. Há mão mortal nisso. Há artifício.”
“Se eu ainda não entendi isso… vocês nunca serão capazes de compreender, mesmo que eu desenhe mil vezes!” Íxion respondeu como se estivesse falando com crianças.
As palavras soaram filosóficas demais para justificar o que o corpo dele emanava. Por isso, do lado dos deuses, a mente correu por atalhos conhecidos: algum tipo de selo? Alguma versão degenerada de canibalismo? Uma benção clandestina de outro Grande Deus?
Nenhuma hipótese se fixou por mais do que alguns segundos, pois o cheiro que acompanhava essas coisas não estava ali.
Indecisos, os semideuses buscaram confirmação no vínculo hierárquico. A hesitação se transformou em vergonha, e a vergonha, em raiva utilitária.
“Seja o que for, não o salvará.” O Protetor de elmo escarlate avisou, como se estivesse dando um ultimato.
“Não vim ser salvo!” Íxion respondeu: “Vim impedir que seus pés imundos continuem a pisar neste solo onde não são bem vindos!”
