Capítulo UHL 1101 - O Julgamento de Yan Chihuo
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Tenham uma boa leitura!]
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O golpe do arco ainda vibrava no rosto de Anúbis quando a voz dele desceu pesada, como uma pedra que decide cair.
“Pese os seus pecados, humano.”
O ar murchou naquele momento. A planície, antes estrondosa, pareceu prender a respiração. O gelo chiou por baixo, mas calou em instantes. Até luz ao redor pareceu se fechar num anel que não fazia sombra.
O braço direito de Anúbis acendeu do punho ao ombro, o cajado fundido ali estava pulsando como um coração mineral. Runas escurecidas se acenderam, uma a uma, como brasas encontrando o vento. E então veio a força que não vinha de nenhum músculo, nem de terra… veio do domínio de julgar. Do domínio de pesar os pecados de cada ser vivo que anda pelo universo.
Yan Chihuo sentiu o peso do julgamento cair sobre seus ombros.
Aquele peso não empurrava para baixo; empurrava para dentro. Era o tipo de força que queria arrancar do corpo as coisas que ele tinha guardado. Uma memória ruim. Um erro. Um silêncio que custou caro. Um passo a menos onde faltou alguém.
A sentença de Anúbis não precisava de confissões ou interrogatórios… ela cavava até a parte mais íntima que qualquer criatura conhece sobre si e, quando achava, trazia à tona.
Yan Chihuo ergueu o queixo quando tudo começou. A asa de água abriu e voltou ao contorno enquanto os olhos de falcão se afiaram numa linha fina, como se focassem a uma distância impossível de mensurar.
Ele congelou na posição e a pressão aumentou.
Anúbis, por sua vez, apesar de ter conseguido travar Yan CHihuo, estreitou o olhar.
Ele estava acostumado com o som interno que seguia a ativação do dom, aquela quebra sutil na postura de quem é julgado. Um vacilo na coluna… uma respiração acelerada... espasmos musculares que denunciavam o conflito interno que estava acontecendo em cada réu. Contudo, Yan Chihuo não vacilou.
A primeira barreira entre o dom do julgamento e aquele réu surgiu ali… e ela era feita de poder.
O poder bruto de Yan Chihuo, que não era só força, mas insistência treinada em dor, interferiu no dom. O julgamento de Anúbis encontrou uma resistência fria, transparente, difícil de combater. Era como tentar firmar os dedos na água. O julgamento começou, mas perdeu muita potência, devido à resistência daquele nível de poder.
Anúbis, normalmente, é livre para fazer o que quer enquanto lança o julgamento sobre um ser, mas o nível de poder de Yan Chihuo exigiu tanto de seu dom que os efeitos alcançaram seu corpo, fazendo com que seus movimentos travassem, assim como os do réu.
Anúbis ficou incrivelmente preocupado naquele momento. Julgar Yan Chihuo, talvez, tenha sido um grande erro, porque agora, ambos estavam ligados de alguma forma, e ambos estavam ali, congelados sem serem capazes de se mover mais do que alguns poucos centímetros por segundo.
Foi nesse momento conturbado para Anúbis que Yan Chihuo soltou um suspiro curto, quase como um bocejo, e deu de ombros enquanto perguntava: “É assim que começa? Este é o seu dom?”
Anúbis não respondeu, mas tentou fortalecer o dom.
Yan Chihuo sentiu o peso aumentar, e este mesmo efeito caiu sobre Anúbis de forma simultânea.
O que veio, então, não foram meras visões ou vozes. Foi um auditório silencioso onde só entravam fatos.
Yan Chihuo viu uma mão dele empurrando o ombro de um garoto para fora de uma queda. Viu o mesmo ombro, meses depois, indo embora rápido demais quando alguém pediu que ficasse. Viu um fogo que ele não apagou, não por maldade, mas porque tinha outro lugar onde era preciso estar, e o fogo devorou mais do que devia. Viu a lâmina dele abrindo cortes que não precisavam existir.
Yan Chihuo sentiu a própria impaciência. Lembrou de cada “depois eu volto” que não teve depois. Lembrou de cada vez que subestimou uma dor alheia e foi dormir com essa pedra no travesseiro. Lembrou de ter prometido pouco e pago muito; de ter prometido muito e pago pouco; de não prometer e, mesmo assim, ter sido cobrado. Lembrou do cansaço de quem não quer lutar e luta mesmo assim.
Assim, a balança levantou a primeira medida.
Anúbis sentiu. Cada cena encontrada ganhava peso, e todo peso tinha cheiro. O cheiro de culpa é conhecido… ele é amargo, metálico, frio. O deus sorriu por dentro, pois o caminho seria o de sempre. Um humano com poder, e portanto, com pecados maiores, porque o poder amplia a área do erro e aumenta as ambições.
Bastava empilhar. Bastava pressionar. E a luta terminaria ali.
Contudo, a sentença não trabalha só com um peso. A balança pesa medidas opostas.
No mesmo auditório, outra porta se abriu. E uma luz invadiu a sala.
As mãos de Yan reapareceram, agora em uma noite fria, puxando três pessoas que ele nem lembrava mais os seus nomes, mas que nunca o esqueceram; Reapareceram mais uma vez, sangrando, colocando comida na mão de quem tinha fome, dando-lhe um teto e cobrindo-lhe contra o frio. Veio o dia sem dormir onde ele ficou sentado ao lado de um velho traumatizado pela batalha até a manhã, para ajudar o velho a respirar sem medo. Veio o momento sem testemunha em que ele perdoou alguém que não pediu perdão.
As cenas se empilharam do lado certo. Não eram vitórias grandiosas. Eram coisas simples, discretas, que só brilham quando colocadas no escuro. Mas a balança, obediente, começou a inclinar.
Anúbis franziu o cenho, sem entender ou aceitar o que estava acontecendo. A mão dele apertou no vazio.
O juiz exigiu uma nova leitura. E o dom ofereceu as páginas que faltavam.
Vieram também os erros que não se escondem atrás de desculpas: o soco dado um segundo depois da palavra errada; o olhar duro para quem não merecia; a pressa que atropelou um pedido pequeno. Mas com eles veio outra coisa, maior do que o peso da ação: o reconhecimento.
Cada erro cometido foi reconhecido pelo próprio Yan Chihuo, mensurado e revisto. E esse peso, para o dom de Anúbis, tem efeito próprio.
A sentença não mede só a queda. Mede o que se faz depois.
A pressão sobre os joelhos de Yan começou a aliviar, como se as correntes perdessem a força entre os elos.
Anúbis expandiu ainda mais o dom, irritado.
“Mostre os seus pecados mais sombrios.”
Anúbis ordenou, e aconteceu.
No centro daquele auditório interno, apareceu uma mesa simples, feita de uma madeira torta e manchada. Sobre ela, não havia uma espada, nem um arco. Havia um caderno. E dentro dele, as páginas, sem linhas, estavam preenchidas com nomes. Nomes de pessoas perdidas, pessoas encontradas, gente que ninguém além de Yan Chihuo lembrava. Pequenas marcas ao lado dos nomes contavam histórias que cabiam em poucas palavras: “fiz por ele”; “não consegui salvá-lo”; “preciso retribuir”; “foi a escolha certa”; “eu te perdôo”.
Com base nas páginas daquele caderno, a balança tremeu e decidiu.
O lado dos erros subiu. O lado das boas ações desceu. O prato que pesa arrependimento fez um barulho de ferro leve, e o prato que pesa bondade, intenção e temeridade responsável mal se moveu para baixo.
A sentença tentou somar mais uma coisa ruim, e para cada uma que trouxe, duas boas vieram de trás, não porque Yan queria aparecer, mas porque ele fez o que tinha que ser feito.
Anúbis, pela primeira vez, sentiu o dom do julgamento ‘perder’.
Era possível enfraquecer a leitura pela força do alvo, ele já tinha visto isso. Mas ver a leitura pender a favor de um humano… até agora ele achava uma coisa impossível de acontecer.
Contudo, o que o juiz menos esperava aconteceu. E como acusador, ele perdeu seu primeiro julgamento.
Aquilo doeu um pouco na garganta.
Yan Chihuo, por outro lado, piscou devagar, como quem acorda de cochilo bom.
“Se a sua balança trabalha com arrependimento, a minha está fazendo hora extra há anos.” Ele comentou.
Anúbis não reagiu ao deboche de cara. O rosto dele ficou firme como uma pedra. O pensamento, não. O pensamento girou. Humanos mentem, humanos escondem, humanos envernizam lembranças para maquiar-las. O dom havia atravessado tudo isso. Havia visto direto. E mesmo assim o que viu não servia à sentença que ele queria.
“Você não é puro.” Anúbis afirmou, como quem não aceita uma realidade.
“Eu sei disso.” Yan Chihuo respondeu.
“Mas você é… leve.” Anúbis murmurou.
“Eu sou apenas alguém que fez tantas contas ao longo da vida… alguém que não precisa de você para cobrar as minhas ações.”
Anúbis apertou os dedos como quem fecha punho sobre nada e afirmou: “Os pecados não somem porque você chora depois!”
“Não somem… mas eles podem ser redimidos. Você está tentando me punir por coisas que eu mesmo já me cobrei de mim. E para sua balança, isso muda tudo. Pelo menos uma coisa que vem dos deuses parece ser justa agora.” Yan Chihuo respondeu com a certeza de quem não devia nada a Anúbis e via, pela primeira vez, alguma justiça acontecer no universo.
O que houve após aquela resposta foi puro silêncio. Um silêncio pesado que a planície respeitou, também.
O dom, que não erra, finalizou o seu julgamento e deixou orgulhoso aquele homem que entendeu que hoje não era o seu dia.
“Terminou?” Quando o silêncio finalmente foi quebrado, Yan Chihuo fez um questionamento e seus braços voltaram a se mover livremente, talvez, até mais leves do que antes do julgamento começar.
