top of page
Garanta o seu exemplar.png

Capítulo UHL 1115 - Uma Decisão Muito Difícil

[Capítulo patrocinado por Alberto Augusto Grasel Neto. Muito obrigado pela contribuição!!! 


ATENÇÃO: LINK ATUALIZADO. Venham fazer parte da nossa comunidade no Telegram! https://t.me/+tuQ4k5fTfgc1YWY5


ATENÇÃO: OS EXEMPLARES FÍSICOS E DIGITAIS DO PRIMEIRO LIVRO DE O ÚLTIMO HERDEIRO DA LUZ JÁ ESTÃO DISPONÍVEIS NAS MAIORES LIVRARIAS DO BRASIL E DO MUNDO. APOIE O NOSSO TRABALHO E GARANTA JÁ UM EXEMPLAR TOTALMENTE REESCRITO E REVISADO, E COM TRECHOS INÉDITOS.


Quer ver um mangá de O Último Herdeiro Da Luz? Então, a sua ajuda é muito importante para que possamos alcançar novos limites!


Para patrocinar um capítulo, use a chave PIX: 31988962934, ou acesse https://www.ultimoherdeirodaluz.com/patrocinarcap para outros métodos de pagamento, que podem ser parcelados em até 3x sem juros.


Para ver as artes oficiais da novel, que estão sendo postadas diariamente, siga a página do Facebook https://www.facebook.com/Herdeirodaluz


Ou a página do instagram https://www.instagram.com/herdeirodaluz/


Todas as artes e outras novidades serão postadas nas nossas redes sociais, e vêm muitas outras por aí, então siga as nossas páginas e não perca a chance de mostrar à sua mente qual é o rosto do seu personagem favorito!


Ps: Link do Telegram atualizado!


Tenham uma boa leitura!]


-----------------------


A poeira da última frase ainda não tinha assentado quando o silêncio mudou de sabor.


Não era mais o silêncio de quem não sabe. Era o silêncio de quem sabe e não quer ser o primeiro a admitir.


As fileiras da coalizão já não avançavam, mas também não recuavam. Os orcs de Uhr’Gal mantinham o muro. Daren continuava como uma estátua no meio do espaço. Hatori não mexia um músculo.


Zao Tian respirou fundo, como quem guarda a raiva numa gaveta e fecha.


“Então vamos fazer diferente.” Ele disse.


Algumas lanças se ajustaram quando ele se mexeu. Krovackianos trocaram olhares. Vargan’Zul apertou mais forte a Khazra’kul, como se qualquer frase que viesse dali fosse uma corda puxando o orgulho dele.


“Diferente como?” Alguém resmungou do meio da massa.


Zao Tian não aumentou o tom. Deixou a voz correr no espaço por conta própria.


“Vocês vieram até aqui com medo de uma coisa.” Ele começou: “Que a humanidade queira dominar vocês. Colocar uma bandeira em cima de cada planeta e chamar suas casas de colônia.”


Ninguém contestou.


“Esse medo não é coisa de criança.” Ele continuou: “Humanos já fizeram isso com humanos. Já fizeram pior. E vocês têm motivo pra desconfiar.”


NEsse momento, um krovackiano grunhiu, lá do fundo: “Pelo menos ele admite…”


“Admito.” Zao Tian reforçou: “E é por isso que eu estou aqui. Pra dizer que isso não vai acontecer. Não desse jeito. Não em cima de vocês. E não enquanto eu estiver vivo.”


Vargan’Zul cerrou os dentes como se mordesse a resposta.


“Palavras…” Ele rosnou insatisfeito.


“Sim.” Zao Tian concordou, sem se abalar: “Palavras. E a palavra, em tempo de guerra, vale menos do que as cinza.”


Ele então deu um passo à frente, se colocando meio corpo na frente de Hatori e Daren. Não como se fosse “mais” do que eles, mas como quem assume o risco da próxima frase.


“Então eu não vou oferecer só palavras.” Ele disse: “Vou oferecer carne.”


Murmúrios se alastraram pela coalizão.


“Como assim?” Um capitão orc estreitou os olhos e perguntou.


Zao Tian começou a explicar, sem rodeios…


“Estou propondo um tratado.” Ele anunciou: “Entre Decarius e seus aliados, Uhr’Gal, as demais tribos orcs, e os clãs krovackianos que vieram nessa marcha.”


“Tratado?” Um general krovackiano quase cuspiu aquela palavra: “Com você falando pela humanidade? Quem te deu essa coroa?”


Antes de Zao Tian responder, Hatori entrou na conversa.


“De fato, ele não é rei da humanidade.” Ele corrigiu, sem bajulação: “Mas nenhuma guerra séria acontece hoje sem passar pela mão dele. Foi ele quem chamou as frentes contra o Olho. Foi ele quem pôs o próprio nome na linha quando fomos pedir ajuda pra Dinastia, pra Gard, pra Hill.”


Daren completou, com a voz rouca: “Se você quer paz ou guerra com humanos fortes… uma hora ou outra terá que lidar com ele.”


Aquilo não era “veneração”. Era constatação.


Zao Tian aceitou o peso e continuou…


“Eu não falo por cada humano vivo.” Ele disse: “Não mando nos camponeses de Turop, nem nos comerciantes de Hill, nem nas famílias que só querem viver em paz. Mas falo pelas forças que lutaram nesta guerra. Falo pelos exércitos que me seguiram até os confins do espaço. Falo pela gente que tem poder pra atacar vocês. E isso, hoje, é o que importa.”


Alguns dos líderes krovackianos calaram. Não porque estavam convencidos, mas porque não tinham outro nome para jogar na mesa. Dizer aquilo na frente de centenas de milhares de inimigos era uma baita demonstração de coragem e autoconfiança.


“E o que tem nesse tratado?” Zargoth perguntou, finalmente, quebrando o próprio silêncio.


Zao Tian se virou um pouco na direção dele.


“Primeiro.” Ele levantou um dedo: “Nenhuma força sob meu comando, direta ou indireta, vai atacar algum mundo orc ou krovackiano sem uma agressão declarada antes. A partir de hoje, nenhum humano que marche comigo vai usar vocês como ‘expansão’.”


Um general krovackiano riu, sem humor.


“E como nós saberemos quando é ‘agressão declarada’ e quando é desculpa?” Ele provocou.


“É aí que entra a parte pesada.” Zao Tian respondeu: “Reféns.”


O campo inteiro reagiu àquela palavra.


“REFÉNS?!” Uma dúzia de vozes se ergueu ao mesmo tempo.


“Você quer acorrentar os nossos?” Um capitão orc rosnou.


“Você quer botar orcs em jaulas humana pra depois dizer que é paz?!” Outro emendou.


Até Hatori e Daren trocaram olhares surpresos.


Zao Tian ergueu a mão, pedindo um segundo.


“Não são reféns de jaula.” Ele explicou: “São garantias vivas. De todos os lados.”


“Explique.” Zargoth pediu, seco.


“Cada lado.” Zao Tian começou a desenhar a ideia: “Nós, humanos que lutaram sob minha bandeira; Vocês, orcs de Uhr’Gal e das tribos que aderirem. Vocês, krovackianos que marcharam nessa coalizão. Cada lado vai enviar filhos de sangue para viver um tempo no território dos outros.”


“Filhos de sangue?” Vargan’Zul repetiu, com os olhos apertando.


“Gente que importa.” Zao Tian confirmou: “Gente que carregue o peso do nome. Gente que não pode sumir sem que o mundo perceba ou haja retaliação.”


Um krovackiano rechaçou a ideia, argumentando: “Pra quê? Pra vocês educarem os nossos ao jeito humano? Colocarem livros nas mãos deles e chamarem isso de ‘garantia’?”


“Você está pensando como se fosse um favor pra nós.” Zao Tian retrucou: “E não é. Isso é uma corda em volta do meu pescoço. Se eu ou qualquer humano sob minha influência quebrar esse tratado e atacar vocês sem motivo, os nossos reféns morrem. E todo o universo vai saber que foi culpa nossa.”


“E se formos nós que quebrarmos?” Um orc perguntou, direto.


“Os reféns orcs e krovackianos estarão em nossas mãos.” Zao Tian devolveu, na mesma moeda: “E se vocês nos atacarem, sabendo que há sangue de vocês entre nós, estarão dizendo em voz alta que não se importam com ninguém. E a vergonha será só de vocês.”


O campo se remexeu. A ideia era simples demais… e justamente por isso pesava.


“Você quer que a paz pendure na garganta de crianças.” Murmurou um velho krovackiano.


“Eu quero que a paz tenha um preço que nenhum líder possa fingir que não vê.” Zao Tian respondeu: “Palavras são baratas. Assinaturas somem. Reféns… não.”


As objeções vieram em ondas.


“E quem garante que vocês não vão moldar esses reféns ao jeito de vocês?”


“E quem garante que eles não vão virar traidores quando voltarem?”


“E quem garante que os ‘reféns’ que vocês mandarem não vão ser infiltrados? Espiões? Armas disfarçadas?”


“Quem garante que esses tais reféns representam mesmo vocês?”


Zao Tian apenas esperou o coro diminuir.


“Vocês têm razão.” Ele admitiu: “Não dá pra confiar em promessas vazias. Não dá pra acreditar que um refém é inocente só porque o outro lado disse.”


Depois de dizer aquilo, ele respirou fundo, passando a mão pela testa, limpando o suor e a sujeira de combate.


“Então eu começo.” Ele disse.


Hatori virou o rosto, curioso. Daren apenas observou.


“Eu não vou mandar um general.” Zao Tian continuou: “Não vou mandar um soldado. Não vou mandar um cultivador. Quem eu vou mandar… é meu irmão.”


O impacto foi imediato.


“O QUÊ?” Hatori pensou alto, sem conseguir conter.


Zargoth franziu a testa. Vargan’Zul arregalou os olhos. Até Daren fez um movimento mínimo de surpresa.


“Meu irmão…” Zao Tian explicou, sem pressa: “O nome dele é Zao Rei. Ele nasceu sem veias espirituais. Não tem cultivo. Não tem poder. Não pode ferir nem o mais fraco dos guerreiros que estão aqui. Isso é garantia o suficiente para vocês?”


Um murmúrio mais baixo, pesado, correu pelo lado de Uhr’Gal. Alguns olhares apontaram pra Zao Tian como se ele tivesse enlouquecido.


“Você vai entregar seu próprio sangue… pra viver entre orcs?” Um orc das linhas de Uhr’Gal perguntou.


“Ele não ‘vai viver entre orcs’.” Zao Tian corrigiu: “Ele vai viver sob a guarda de Uhr’Gal. Sob a guarda de orcs e krovackianos que aceitarem esse tratado. Vai ser a prova de que eu não pretendo dominar vocês.”


Vargan’Zul apertou os dentes naquele momento, porque toda fúria dos seus comandados estava desaparecendo, nitidamente.


“E por que deveríamos acreditar que esse irmão é inocente?” Ele provocou: “Como saber que ele não é algum tipo de peça secreta? Uma arma escondida?”


“Porque ele é incapaz de fazer mal. Eu já disse.” Zao Tian respondeu, simples: “Nesse universo, é comum que alguns nasçam sem veias espirituais. Zao Rei é um deles. É só um humano inofensivo.”


“Isso não prova nada.” Um krovackiano insistiu: “Vocês humanos são bons em disfarçar.”


Zao Tian o encarou com frieza.


“Você quer provas?” Ele perguntou: “Quando esse tratado for aceito, trarei ele aqui. Na frente de vocês todos. Zargoth poderá pesá-lo com os olhos. Vocês todos poderão examiná-lo. Se virem um fio de cultivo nele, o acordo morre antes de nascer.”


“Você sabe o que está fazendo?” Enquanto uma nova onda de murmúrios começava, Hatori se aproximou de Zao Tian e perguntou, sem ironia.


“Sei.” Zao Tian respondeu: “Se eu quebrar esse tratado, eles matam meu irmão. Se eles quebrarem… ele vai morrer mesmo assim. Porque eu vou atrás. E não vai sobrar pedra sobre pedra.”


Daren olhou por um momento para Zao Tian, depois para o campo, e entendeu: aquilo não era gesto teatral. Era uma âncora sendo lançada.


“Você está amarrando sua própria alma na palavra que acabou de dar.” Daren murmurou.


“É o mínimo que eu posso fazer, afinal, eu comecei tudo isso.” Zao Tian disse.


Do lado de Uhr’Gal, um murmurinho ainda mais forte começou.


“Ele acha mesmo que confiamos assim?” Um orc resmungou.


“Ele acha que um humano inocente vale tanto quanto nossos filhos?” Outro rosnou.


Zargoth levantou o braço de novo, pedindo silêncio. Não por respeito a Zao Tian, mas porque precisava ouvir.


“E dos nossos?” O Khan perguntou: “Quem você espera que mandemos?”


“Não vou escolher por vocês.” Zao Tian respondeu: “Mas se esse tratado for real, os que vierem não podem ser descartáveis. Não podem ser condenados. Não podem ser prisioneiros disfarçados de reféns. Têm que ser gente que vocês realmente não querem perder.”


“Você está dizendo para mandarmos nossos filhos.” Um general orc resumiu, duro.


“Estou dizendo pra vocês fazerem o mesmo que eu.” Zao Tian confirmou.


Vargan’Zul apertou a Khazra’kul como se quisesse esmagá-la.


“E se eu me recusar?” Ele provocou: “E se disser que não entrego ninguém?”


“Então você não quer paz.” Zao Tian respondeu: “Quer tempo. E tempo é só um intervalo entre duas guerras.”


Aquela frase caiu pesada.


Alguns orcs da marcha olharam para ele com um certo respeito involuntário. Outros com ódio. Os krovackianos, agora, também estavam em conflito: a ideia de mandar sangue pros humanos doía, mas a ideia de voltar pra casa com o rabo entre as pernas e sem tratado… doía mais.


“E a paz entre orcs e krovackianos?” Hatori lembrou, trazendo a segunda metade da questão: “Esse tratado não fala só de humanos. Vocês vêm se matando há gerações. Quem garante que, amanhã, vocês não vão achar outro motivo pra marchar?”


Zao Tian aproveitou.


“Os reféns não vão ficar só entre humanos e orcs.” Ele disse: “Krovackianos também vão ter orcs sob guarda. Orcs também vão ter krovackianos sob guarda. Se um lado quebrar a paz, não vai ser só a humanidade que responde. Vai ser o resto do universo olhando e dizendo: ‘eles não seguram nem os próprios’.”


“Vocês querem nos amarrar em três correntes!” Um general krovackiano protestou:


“Ou são três correntes...” Zao Tian rebateu: “Ou são bilhões de mortos. A escolha é de vocês.”


O campo respirou junto com o término daquela frase.


Zargoth, por fim, quebrou a linha entre orgulho e responsabilidade.


“Você pediu desculpas alguma vez?” Ele perguntou, do nada: “Pelo que fez em Uhr’Gal?”


Todos ficaram em silêncio. Era verdade: até aquele momento, Zao Tian tinha justificado, explicado, assumido que faria de novo… mas nunca tinha dito “desculpa”.


Zao Tian segurou o olhar do Khan.


“Não.” Ele admitiu: “Nunca pedi.”


“Então faça isso antes de falar em tratados.” Zargoth exigiu.


Hatori virou um pouco a cabeça, curioso. Daren ficou neutro. Vargan’Zul cruzou os braços para ver.


Zao Tian não desviou. Ele girou o corpo no ar, até ficar de frente para a muralha de Uhr’Gal. As lanças orcs o encaravam com lembranças do cerco. Saques que quase aconteceram. Gente esperando o planeta cair.


Zao Tian, então, falou alto o bastante pra todo mundo ouvir:


“Uhr’Gal.” Ele disse: “Eu fui até vocês com minha lâmina na mão. Cerquei seu planeta, ameacei seu povo. Fiz isso porque acreditava que era a única forma de salvar Cruz de uma injustiça.”


Ele respirou fundo.


“Eu ainda acredito que Cruz não merecia morrer.” Ele continuou: “Mas isso não muda o fato de que eu pisei na sua casa como um inimigo. Eu trouxe medo. E, mesmo tendo segurado o golpe final, a culpa por tudo ainda é minha. Eu ordenei. Eu mandei. Eu assumi.”


Os orcs ficaram duros nas suas posições. Alguns rosnados baixos ecoaram, mas ninguém atacou.


“Então, diante de você, Zargoth Khan de Uhr’Gal…” Zao Tian disse, firme: “Eu peço desculpas. Não em nome da humanidade. Em meu nome. Eu errei com o seu povo. Eu assumo isso. E, a partir de hoje… eu prometo que nunca mais levantarei a mão contra um cidadão de Uhr’Gal.”


Ao escutar aquilo, os olhos de Zargoth brilharam de um jeito estranho. Não era comoção. Era surpresa misturada com algo que nem ele tinha nome para definir… era o peso de estar sendo reconhecido de igual para igual por alguém que poderia simplesmente ignorá-lo e ainda assim ser temido.


“Você promete… proteção?” Zargoth perguntou, testando.


“Quer vocês queiram ou não…” Zao Tian respondeu: “Se algum dia Uhr’Gal for atacada de fora, se algum dia algum deus, algum Olho, alguma coisa tentar usar vocês como peça de novo… eu estarei lá. Com meu povo. Com meus demônios. Com tudo o que eu tiver. Não para mandar em vocês. Para impedir que façam com vocês o que tentaram fazer com Decarius.”


Alguns orcs riram, nervosos.


“Você acha que Uhr’Gal precisa de proteção humana?” Um deles provocou.


“Eu acho que o universo é grande demais pra cada um segurar tudo sozinho.” Zao Tian devolveu: “Vocês seguram muito bem as suas guerras. Eu seguro as minhas. Mas, quando vier alguma coisa grande como o Olho ou os deuses… ninguém segurará sozinho. E vocês já viram isso.”


Nesse momento, Zargoth respirou pelo nariz, forte.


“Você está dizendo que Uhr’Gal estará sob proteção de Zao Tian.” Ele resumiu.


“E Zao Tian estará sob julgamento de Uhr’Gal.” Zao Tian completou: “Se eu quebrar minha palavra, vocês terão meu irmão em mãos. Terão meu nome na boca. Terão o direito de me chamar de mentiroso na frente de todo o universo.”


Um silêncio mais profundo tomou o lado orc. Porque, de repente, não era só uma questão de “orgulho ofendido”. Era uma questão de oportunidade.


Orcs respeitam quem assume a própria merda.


Zargoth enfim falou, olhando fundo nos olhos de Zao Tian.


“Você foi um inimigo.” Ele disse: “Hoje… você é um erro corrigido. Eu aceito seu pedido de desculpas. Não como amigo. Como líder.”


Zao Tian assentiu, uma vez.


“E o tratado?” Ele perguntou.


Zargoth olhou por cima do ombro para suas fileiras, depois para o leste do campo, onde a coalizão começava a dar passos indecisos de recuo.


“Uhr’Gal aceita sentar pra discutir isso.” Ele respondeu: “Mas não aqui, no meio de corpos. Num lugar neutro. Sem exército atrás. Sem Khazra’kul na mão.”


Os olhos de Vargan’Zul estreitaram imediatamente.


“E os nossos?” Ele perguntou: “Você quer que eu volte pra casa com essa notícia? Que diga que a grande marcha terminou num tratado e num ‘vamos conversar depois’?”


“Você prefere dizer que terminou atacando Uhr’Gal e começando uma guerra que você nunca vai terminar?” Zao Tian devolveu.


Vargan’Zul engoliu seco e se calou, porque seus próprios aliados já não estavam mais tão propensos a seguir suas ordens.


Por fim, Zao Tian deu a ele a última corda de salvação que, na verdade, foi um ultimato.


“Você não precisa escolher agora quem manda de refém.” Ele disse: “Leve essa proposta. Volte pros seus conselhos. Olhe na cara das mães dos seus mortos e diga que tem um caminho mais difícil… que não passa por cima do corpo de mais ninguém. Se ainda assim quiser vir, nós estaremos aqui. Eu, Daren, Hatori. E nesse dia… ninguém vai poder dizer que não teve escolha.”


Quando Zao Tian terminou de falar sem medo algum no olhar, e até pré disposto a enfrentá-lo quando ele quisesse, a Khazra’kul pareceu pesar uma tonelada na mão de Vargan’Zul.


Ele olhou para o mar de escudos e para os olhos cansados…


Depois, ele olhou para Zargoth, que tinha enfiado Uhr’Gal na frente da marcha para impedir que a história fosse escrita em linha reta.


Por fim, ele olhou para Zao Tian, o humano que ostentava uma prepotência que causava-lhe uma irritação profunda, mas que, naquele momento, era o único oferecendo uma saída que não fosse séculos de sangue.


No final, após refletir consigo mesmo, Vargan’Zul jogou a Khazra’kul no ombro.


“Eu vou levar o tratado para o meu povo.” Ele rosnou: “Mas não por você, humano. Nem por Uhr’Gal. Pelos meus. Porque eu não vou entregar o nome deles pra ser rodado na boca de deuses mortos.”


“É o suficiente.” Zao Tian disse.


Ele então se virou para o campo inteiro e, sem gritar, deixou a mensagem correr…


“O ataque a Decarius… acabou!” Ele declarou: “Hoje, uma marcha que que entrará para a história de nossos povos… parou. Agora, vamos fazer algo que dói mais do que lutar… sentar e segurar a própria mão.”


Com aquele anúnico, o recuo começou de verdade.


Os estandartes da coalizão giraram. Krovackianos começaram a dar meia-volta, ainda de frente, sem dar as costas para Uhr’Gal, por puro orgulho. Os orcs da marcha afrouxaram escudos e deixaram o peso escorrer pelos braços. Uhr’Gal manteve a formação até o último inimigo afastar alguns quilômetros.


Daren baixou, enfim, a espada, deixando a ponta tocar o vazio como se fosse chão.


“Você amarrou o futuro.” Ele comentou.


“Só amarrei o meu.” Zao Tian respondeu.


Hatori olhou de canto.


“E do seu irmão.” Ele completou.


Zao Tian deixou um meio sorriso cansado escapar.


“Ele sempre quis ver o universo.” Ele disse, com um humor dúbio: “Só não imaginou que seria desse jeito.”


Depois dessas palavras, os três ficaram em silêncio por alguns segundos, vendo a poeira da marcha se afastar.


Naquele dia, nenhum tratado foi assinado.


Nenhum papel foi carimbado.


Nenhuma bandeira mudou oficialmente de cor.


Mas, ali, no meio de um campo que ia quebrar, uma coisa foi decidida: a próxima guerra não começaria no dia seguinte.


E, pela primeira vez em muito tempo, orcs, krovackianos e humanos voltariam pra casa carregando outra coisa além de corpos. 


O ÚLTIMO HERDEIRO DA LUZ -UHL | NOVEL

© 2020 por Rafael Batista. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram
bottom of page