Capítulo UHL 1116 - Entre a Glória e a Imundice
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Quando a última bandeira da coalizão começou a sumir no horizonte, o campo ficou finalmente silencioso de verdade.
Não era mais o silêncio de dentes rangendo ou de ego sendo engolido. Era aquele silêncio estranho que vem depois de algo enorme que quase aconteceu… e não aconteceu.
Uhr’Gal ainda mantinha a formação, mas o peso já tinha mudado. As lâminas estavam baixas, o corpo ainda pronto… mas o coração, cansado. Do outro lado, os restos da marcha de Vargan’Zul recuavam em blocos irregulares, carregando feridos, orgulhos quebrados e perguntas demais.
Daren guardou a espada.
Hatori soltou um ar que parecia um suspiro, mas era só o corpo liberando um pouco da tensão.
Zao Tian, por sua vez, ficou ali, parado no meio do vazio, vendo o recuo virar distância. Só quando o último estandarte ficou pequeno demais pra incomodar é que outra coisa veio à cabeça dele.
Zao Rei.
A imagem do irmão apareceu limpa. O homem sentado em casa, rindo de coisas bestas, falando de comida, perguntando do universo que ele nunca ia tocar. Um humano comum, jogado no meio de um tabuleiro de monstros.
Por alguns segundos, o peito de Zao Tian apertou forte. Não era medo. Era culpa adiantada.
“Eu coloquei o nome dele na boca de orcs, krovackianos e deuses.” Ele fechou a mão, respirou fundo e guardou aquilo num canto.
“Depois eu lido com isso. Agora… tem outra coisa pra terminar.” Ele murmurou.
Hatori quebrou o silêncio entre eles primeiro.
“Então…” Ele começou, ainda olhando pra onde a marcha estava se desfazendo: “O universo inteiro estava pegando fogo enquanto a gente segurava esse barril de pólvora aqui… Como ficou lá?”
Daren também virou o rosto, devagar.
Eles dois sabiam que o ataque contra o Olho tinha sido gigante, mas estavam isolados naquela frente. Sabiam de pedaços, mas precisavam ouvir do homem que puxou o gatilho.
Zao Tian tirou o amuleto de transmissão, mas não ativou. Só o girou entre os dedos, pensando em por onde começar.
“O ataque ao Olho…” Ele falou, enfim: “Acabou.”
Hatori franziu um pouco a testa.
“Acabou como?” Ele perguntou.
“Com eles no chão.” Zao Tian respondeu.
Daren inclinou o queixo.
“Fale direito.” Ele pediu, sem floreio.
Zao Tian assentiu.
“O Olho não existe mais como organização.” Ele começou: “As bases principais foram destruídas. A rede de comunicação caiu. Os bancos de dados foram queimados. Os entrepostos foram tomados ou esvaziados. E a parte que eles mais amavam…” Ele deixou a frase cair: “A rede de escravos, acabou.”
Hatori apertou os olhos.
“Acabou quanto?” Ele perguntou.
Zao Tian puxou pela memória os números que tinha recebido.
“Escravos libertados.” Ele enumerou: “Dois milhões, cento e oitenta e quatro mil e três. Humanos, krovackianos, orcs vendidos pelos próprios, elfos, e um monte de coisa que eu nem sabia que existia.”
Daren fechou os olhos um instante. Não foi emoção quebrando o velho monstro, foi só o cérebro medindo o tamanho daquilo.
“E o preço?” Ele perguntou, de forma direta
Zao Tian respondeu com a mesma secura:
“Do lado de lá: quase quatro milhões de mortos do Olho.”
“Do nosso…” Ele apertou o amuleto na mão, como se sustentasse o peso dos números: “Cento e um mil, trezentos e setenta e quatro mortos confirmados. Três mil cento e noventa e um desaparecidos. Quase vinte mil que não voltam nunca mais pra um campo de batalha.”
A expressão de Hatori ficou séria de vez.
“Quem?” Qle perguntou, já sabendo que tinha nomes pesados ali.
“Tyrone.” Zao Tian começou, sem enrolar: “Morreu para os traidores Yang Yin e Yang Fen.”
“Yang Gengi.” Ele continuou: “Caiu longe de casa, surpreendido pela chegada de um dos membros da Tríade que conseguiu escapar.”
“General Alaric, de Gard. Maat’ri, que tirou crianças das garras de Anúbis e ficou pra morrer pesando o próprio coração. Ohemi, de Hill, que recusou evacuação. Drake quase caiu para a Trindade. Dentre outros...”
Hatori baixou o olhar por um segundo. Não em reverência religiosa… mas em respeito militar.
“E do outro lado?” Daren perguntou: “Além dos vermes comuns do Olho?”
“Hanzo.” Zao Tian respondeu: “Morreu pela minha mão. Longe da Trindade, abandonado por ela. Khelvar, o arquivista que roubava informação divina, caiu por Jaha e Gins. Asnam’Dur virou cinza pela mão de Hildeval. Bases inteiras de Ka-Shenn foram pro chão. Mar’Dra virou memória.”
Hatori arfou curto.
“Então a besta caiu.” Ele resumiu.
“O corpo, sim.” Zao Tian confirmou. “Mas ainda tem cabeça e braço mexendo.”
“Trindade.” Daren falou, entendendo.
“E família Shui.” Zao Tian completou.
Hatori ergueu o olhar.
“Não acharam eles?” Ele perguntou.
“Nenhum deles.” Zao Tian respondeu: “Só rastros. Laboratórios que receberam as coisas deles. Armazéns. Fábricas de suporte. Mas os Shui mesmo… desapareceram. Se esconderam fora do mapa ou dentro de algum domínio que ninguém entrou ainda.”
Hatori apertou os dedos na bainha da Sourigawa.
“Enquanto essa família existir…” Ele disse: “Qualquer Trindade que nascer vai ter como se multiplicar.”
“Exatamente.” Zao Tian concordou: “Por isso o ataque acabou. Mas a guerra deles comigo não. O próximo foco é esse: caçar os três irmãos e os desgraçados que fazem corpos para eles.”
“Vai demorar.” Daren comentou: “Caçar três sombras e uma família que sabe se esconder…”
“Vai.” Zao Tian admitiu: “Mas o terreno agora é outro. Eles não têm mais exército pronto, nem rede de escravos, nem espião em cada canto. Pra reerguer o Olho como era, vão precisar de séculos. E eles não vão escapar de mim por todo esse tempo.”
Hatori soltou o ar pelo nariz, como quem aceita um quadro, mesmo sabendo que vai dar trabalho.
“Você está confiante.” Ele observou.
“Não.” Zao Tian corrigiu: “Eu só não vou deixar eles respirarem. Confiança é um luxo. Eu trabalho melhor com raiva.”
Um silêncio curto caiu. Depois, Daren falou de novo, olhando pro vazio, como quem conversa com o tempo:
“Quando Gold começou isso…” Ele murmurou: “A ideia era simples: garantir que a humanidade não fosse engolida. A gente lutava pra sobreviver à próxima geração. No máximo duas.”
Ele virou o rosto, encarando Zao Tian com aquela calma de quem já viu milhões de anos andarem em círculos.
“Você não só segurou a geração.” Ele disse: “Você mudou o desenho do jogo.”
Zao Tian levantou uma sobrancelha, mas ficou quieto.
Daren continuou:
“Você fez de Decarius uma coisa que não devia existir: uma muralha que olha pros lados, não só pra frente. Puxou a Dinastia Yang, Gard, Hill, Kaos, o Vale, e agora Uhr’Gal…” Ele fez um gesto com a mão, englobando tudo ao redor: “E ainda está falando em tratado com orcs e krovackianos. Sabe quanto tempo eu esperei para ver algo assim? Em tempo longo o suficiente pra achar que não veria acontecer.”
Hatori deu uma risada curta.
“Ele está tentando dizer ‘parabéns’.” Ele traduziu.
Daren ignorou.
“Você erra muito.” Ele foi honesto: “Mexe em coisas que ninguém teria coragem. Arrisca mais do que devia. Mas, no final… você entrega.”
Aquelas palavras não vieram com pompa. Vieram com um peso que se mede pela boca de quem falou.
Ser elogiado por qualquer um, ali, era uma coisa. Ouvir aquilo da criatura que esteve ao lado de Gold quando tudo começou… era outra completamente diferente.
Zao Tian não corou, não desviou o olhar, não fez reverência. Só assentiu, devagar.
“Eu só estou pagando a dívida.” Ele disse: “Foi Gold quem levantou isso aqui. Eu só estou tentando não estragar.”
Hatori cruzou os braços, olhando de lado pra ele.
“Você não estragou.” Ele falou: “Não dessa vez.”
Pra Zao Tian, aquilo bastava e era mais importante do que os dois podiam imaginar.
Ele então respirou fundo e olhou para o amuleto, que ainda estava na mão.
“Eu agradeço, mas chega de conversa de três idiotas velhos.” Ele cortou: “Tem um universo inteiro esperando notícias.”
Hatori sorriu de canto. Daren não negou.
E Zao Tian logo ativou o amuleto.
O cristal brilhou, e uma sequência de canais e foram se abrindo, chamando comandantes, capitães, guarnições inteiras. Do outro lado, vozes foram silenciando, uma por uma, à medida que o comando de “prioridade máxima” entrava.
Quando a rede inteira ficou em espera, ele falou:
“Zao Tian aqui.” Ele se apresentou, simples: “Este é o canal geral de comando.”
Do outro lado, só silêncio. Era o silêncio de quem sabe que vem um grande anúncio.
“Quero comunicar a todos…” Ele começou, sem enfeite: “que o ataque ao Olho terminou.”
Um suspiro coletivo, espalhado por mundos diferentes, pareceu atravessar o amuleto.
“As bases principais foram destruídas.” Ele continuou: “A rede de escravos foi quebrada. Os arquivos centrais foram apagados. Os generais que seguravam a estrutura caíram. O Olho, como organização, deixou de existir.”
Ele deu um pequeno intervalo, para aquelas palavras entrarem e assentarem.
“A Trindade continua viva.” Ele acrescentou: “A família Shui continua solta. A caça a eles será prioridade daqui pra frente. Mas a besta que eles montavam… não levanta mais. Não com essa forma. Não neste século. Não neste universo com a gente acordado.”
“Os números finais serão enviados pros comandos de cada frente.” Zao Tian disse: “Vocês vão saber o nome de cada um que caiu, de cada um que não volta, de cada um que segurou o lugar que vocês pisam hoje.”
Ele respirou fundo.
“Por agora…” Ele mudou o tom: “A ordem é uma só: recolher. Reorganizar. E voltar.”
Uma pequena pausa aconteceu, e por todas as frentes, ombros relaxaram, como se o peso de uma montanha tivesse deixado-os.
“Mas antes disso…” Ele então prosseguiu: “Eu quero todo mundo num lugar.”
“Setor Delta-Um, fronteira alta de Decarius.” Ele anunciou: “Todas as tropas que participaram desse ataque… recuem para esse ponto. Vamos voltar para casa… juntos.”
Houve um eco de confirmações, como um coro, vindo de vozes e idiomas diferentes.
“É isso.” Zao Tian encerrou, por enquanto: “Nos vemos lá.”
Ele desligou o canal geral e guardou o amuleto.
Hatori ergueu o queixo.
“Um desfile?” Ele brincou.
“Um adeus.” Zao Tian corrigiu.
Daren apenas assentiu.
“Eu vou na frente.” Ele disse: “Vejo vocês lá.”
O velho guerreiro sumiu num salto, cortando o espaço como se ele fosse um rio raso. Hatori foi logo depois.
Zao Tian ficou mais um segundo, olhando para o lugar onde a coalizão tinha estado, e murmurou, baixo, só pra ele:
“Agora… é com a gente.”
Então, ele desapareceu.
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O Setor Delta-Um nunca tinha visto tanto peso espiritual acumulado no mesmo ponto.
Tropas tomavam metade do horizonte.
Decarius, do fundo da cena, parecia um olho azul, pálido, observando todos.
Quando Zao Tian chegou, a movimentação diminuiu. Não porque ele fosse um “rei”, mas porque todos sabiam que ele tinha algo pra dizer antes de soltá-los de volta pras suas casas.
Ele então parou num ponto alto, onde a voz podia ser espalhada. Não precisou de palco, pois o próprio espaço servia.
Por alguns segundos, ele ficou calado, olhando o quadro.
Era feio e bonito ao mesmo tempo. Gente cansada, armaduras quebradas… e um silêncio de quem já deu tudo o que tinha pra dar.
Então, ele começou:
“Eu queria que vocês vissem isso por fora.” Ele disse: “De onde eu estou, o universo parece uma cicatriz bonita.”
Alguns riram, baixo.
“Eu sei que tem muita gente aí pensando: ‘acabou, e agora ele vai fazer aquele discurso bonito, cheio de metáforas, falando de honra e glória’.” Ele continuou: “Mas vocês conhecem meu jeito. Não vai ser assim.”
Ele respirou fundo, e a voz foi ficando mais firme:
“Eu não vou chamar isso aqui de glória.” Ele disse: “Glória é a palavra que quem está nos palácios usa quando não teve que arrancar o próprio amigo debaixo de escombros.”
Alguns olhares abaixaram, lembrando exatamente desse tipo de cena.
“Isso aqui…” Ele corrigiu: “É trabalho. O trabalho mais sujo que já fizemos.”
Ele apontou com o queixo na direção das formações.
“Vocês saíram das suas casas.” Ele enumerou: “Deixaram família, casa, campo, oficina e regiões inteiras… e vieram pra uma guerra que não tinha garantia nenhuma de vitória. Não tinha nenhuma força mística do nosso lado. Não tinha profecia dizendo ‘no final dá tudo certo’. Só tinha informação: o Olho existe, escraviza, compra influência e poder, mata quem quer, e se ninguém fizer nada, vai engolir todo mundo.”
Ele apertou os dedos.
“Mesmo assim…” Ele prosseguiu: “Vocês vieram. Sabendo que não era uma guerra de bandeira bonita, mas uma limpeza de um esgoto universal.”
Algumas cabeças assentiram, duras, porque era isso mesmo.
“Eu quero que isso fique gravado nas memórias de cada um que está aqui hoje.” Zao Tian continuou: “Nenhum deus desceu pra lutar essa batalha ao nosso lado. Nenhum trono veio na frente. Quem veio foi vocês. Foi a guarda de Decarius, foi a Dinastia que mandou seus Guardiões, foi o Vale que mandou seu rei e seus loucos, foi Gard, Hill, Kaos, e até mundos menores que ninguém sabia o nome direito e que agora seguram uma parte do futuro.”
Ele fez uma pausa mais longa.
“E teve o preço.” Ele falou, com pesar, mas respeito: “Cento e um mil, trezentos e setenta e quatro mortos. Três mil cento e noventa e um desaparecidos. Quase vinte mil mutilados de alguma forma que nunca mais voltam pra guerra. Esses números vão chegar pros seus comandantes. Vão ser lidos nos seus lares. Mas eu não quero que eles parem em relatórios.”
O ar pareceu pesar.
“Entre esses números…” Zao Tian foi dizendo: “Tem um homem do Vale da Esperança chamado Tyrone, que morreu em pé, segurando sozinho uma frente que parecia não ter fim, só pra que outros pudessem recuar e se reorganizar.”
“Tem um Guardião Imperial chamado Yang Gengi, que passou a vida inteira protegendo um imperador… e morreu longe de casa, porque achou que o nome ‘Yang’ ainda valia alguma coisa.”
“Tem gente de Gard, como o general Alaric, que não recuou quando os escravos vieram em massa, porque achou que fugir e deixá-los pra trás seria pior do que morrer.”
“Tem uma mulher de Hill, Ohemi, que preferiu ficar com uma criança no colo do que aceitar evacuação.”
“Tem Maat’ri, que morreu sendo julgada pelo deus que atacou nosso mundo enquanto estávamos fora. E, no meio dessa ironia desgraçada, ainda conseguiu tirar colônias inteiras do alcance dele.”
Infelizmente, Zao Tian não conseguia citar todos.
“Tem milhares de nomes que eu não consigo falar aqui.” Ele admitiu: “Mas cada um deles foi uma parede que segurou o universo um pouco mais longe do abismo.”
Do outro lado da formação, alguns olhos se encheram d’água. Não era um choro alto. Era aquele brilho teimoso que não cai porque o dono ainda está em posição de combate.
“Eu não estou dizendo isso pra romantizar a morte.” Zao Tian garantiu: “Morrer é uma merda. A gente não veio pra ‘morrer bonito’. A gente veio pra garantir que quem não estava aqui pudesse viver sem saber o que é um Olho enfiado no seu planeta.”
Ele apontou na direção de Decarius.
“Quem está lá embaixo, agora, não tem ideia do que vocês viram.” Ele disse: “Não sabe da quantidade de ossos que flutuam em órbita de mundos que vocês nunca mais vão querer visitar. Não sabe da cor de sangue que não é vermelho, nem azul, nem nada que já tínhamos visto. Não sabe do silêncio de um planeta inteiro esvaziado de uma vez.”
Ele deu de ombros, com um meio sorriso sem humor.
“E é bom que não saibam.” Ele completou: “Porque isso significa que deu certo.”
Um grande peso foi tirado dos ombros de alguns, só de ouvir isso.
“Eu queria que vocês gravassem outra coisa, também.” Ele disse: “A guerra contra o Olho acabou hoje. Isso é um fato. Eles não têm mais estrutura para nos escravizar em massa. Não têm mais rede para se ocultar. Não têm mais estoque de vidas pra gastar em capricho.”
Ele então fechou a mão e apertou forte.
“Mas ainda tem a Trindade.” Ele lembrou: “Tem Samir, Amin, Rachid. Tem Yang Yin. Tema família Shui. Tem gente que estava no comando e fugiu.”
Ele levantou o queixo.
“Esses…” Ele prometeu: “Não escapam. Pode demorar. Pode ser uma caça que leve anos, décadas, séculos. Eu não me importo. Enquanto eu respirar, esses nomes vão estar numa lista que eu revisitei todos os dias, de hora em hora.”
Do outro lado, muitos sentiram a mesma frase que tinha passado pela cabeça de Hatori mais cedo: ‘ele não fala isso por bravata’. Quem lutou ao lado de Zao Tian sabia que ele era teimoso o suficiente para cumprir aquela promessa.
“Mas…” Zao Tian mudou o tom, ficando um pouco mais leve: “Hoje não é dia de caça. Hoje é o dia em que a gente olha pra trás e vê o que fez.”
Ele abriu os braços de leve, englobando todos.
“Vocês lutaram ao lado de gente que, há pouco tempo, seriam considerados inimigos.” Ele lembrou: “Dinastia ao lado de Gard, de Hill, de Kaos. Uhr’Gal botando o próprio corpo na frente de uma marcha pra não deixar a história ficar simples demais.”
Ele deu um meio sorriso.
“Se isso não ameniza as rixas entre alguns de vocês…” Ele disse: “Que pelo menos isso aqui sirva para mostrar que a gente pode fazer diferente quando precisa.”
Silêncio.
“Eu não vou mandar vocês ‘comemorarem’.” Ele falou, direto: “Quem perdeu gente demais não tem clima pra isso. Eu não vou mandar vocês ‘descansarem’, porque o descanso de soldado nunca é completo. Eu vou mandar vocês pra casa com uma coisa só: a certeza de que o que vocês fizeram aqui valeu a pena.”
Ele respirou fundo de novo.
“Vocês garantiram que crianças que nem nasceram ainda vão poder crescer sem ter um Olho pendurado no céu delas.” Ele disse: “Garantiram que escravos que nunca iam ver a luz do dia vão dormir em camas ou em um chão que não tem dono. Garantiram que, quando o próximo deus ou organização achar que pode usar o universo como fazenda, vai ter que lembrar do que aconteceu com o Olho.”
Ele então baixou a voz um pouco.
“Alguns de vocês vão chegar em casa e vão ser tratados como heróis.” Ele comentou: “Outros vão entrar pela porta da frente e vão ouvir só um ‘você demorou’. Alguns vão voltar para sepultar gente. Outros vão voltar para plantar de novo, abrir tendas, voltar pros treinos. Cada um tem seu jeito de lidar. E quem não conseguir, terá todo o nosso apoio.”
Ele encarou a massa pela última vez.
“Só não se esqueçam…” Ele pediu: “De carregar esses mortos com vocês para onde forem. Não como um peso para esmagar… mas como uma raiz que fortalece e nutre.”
Ele bateu no peito, do lado esquerdo.
“Os que caíram não vão ver o que vocês vão construir depois disso.” Ele disse: “Mas tudo o que vocês fizerem daqui pra frente… é sobre eles também.”
Um silêncio pesado, profundo, tomou o setor.
Então, sem muito ensaio, sem nenhum comando, alguém começou.
“PELOS NOSSOS!”
Foi um grito único, mas que ecoou e mexeu com cada um que estava ali.
“PELOS NOSSOS!” Outra frente respondeu.
Em pouco tempo, milhares de vozes gritaram juntas…
“PELOS NOSSOS!”
Zao Tian, por sua vez, deixou que aquele coro tomasse o setor por uns segundos, e também gritou.
Depois, ele levantou a mão, pedindo calma.
“Agora…” Ele disse, mais baixo, mas ainda firme: “Voltem!”
Ele apontou na direção de Decarius, que brilhava ao longe.
“Voltem para suas casas.” Ele pediu: “A guerra universal acabou. O Olho caiu. O que vem daqui pra frente é outra história. Menor, mais suja, mais pessoal.”
“Vocês já deram demais por essa luta. Eu cuido dessa parte agora.”
Ele fez uma última promessa. E, com isso, o comando foi dado.
Formações começaram a se mover. Tropas começaram a traçar linhas de volta pra casa, levando consigo o peso, o alívio, o luto e a esperança.
Zao Tian assistiu e ficou parado um pouco mais, vendo a multidão se espalhar de novo.
Na cabeça dele, duas listas giravam ao mesmo tempo.
Na primeira, nomes de agradecimento.
Na segunda, nomes de alvo.
Entre elas, no meio do peito, um rosto sem veias espirituais sorria, inconsciente de que, em breve, teria o universo inteiro como vizinho.
“Zao Rei…” ele murmurou, num meio sorriso triste: “espero que você goste de viajar.”
Então, pela primeira vez DESDE QUE TUDO COMEÇOU, Zao Tian virou de costas pro campo de guerra… e começou a voltar para casa.
