Capítulo UHL 1118 - Companheiros
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Tenham uma boa leitura!]
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O Vale da Esperança nunca tinha feito jus ao próprio nome como naquele dia.
Ao redor da fortaleza de diamante, as montanhas ainda estavam feridas, com marcas de choques divinos nos picos, partes do chão ainda exalavam um odor leve de queimado, mas, pela primeira vez em muito tempo, o ar não cheirava à “preparação”.
Cheirava a retorno.
No centro de uma das grandes praças, onde antes havia um círculo de treinamento, agora havia um círculo de gente.
Íxion estava no meio.
Descalço, com o manto rasgado em três lugares, o cabelo preso de qualquer jeito num laço alto, braços soltos ao lado do corpo. O olhar estava mais… cansado. Não quebrado, não abatido. Só cansado de verdade.
À volta dele, os nomes que faziam o universo tremer se juntaram.
Ming Xiao, rei do Vale.
Ming Xue, ao lado do irmão, com o manto azul e branco caindo até os pés, o cabelo preso em uma trança simples e os olhos firmes e quentes.
Gu Ren, com a lança apoiada no ombro, rindo sem exagero, mas com um certo alívio nos ombros retos.
Cruz, quieto, com a escuridão no fundo dos olhos se comportando pela primeira vez em dias e com as mãos cruzadas atrás das costas.
Ye Yang, elegante, ainda com poeira nas roupas, observando Íxion como quem avalia e admira ao mesmo tempo.
Kyon e Ryuuji, juntos, um com as mãos nos bolsos, o outro com a espada encostada no chão, ainda trocando comentários baixos entre si.
Hildeval, sério, como se a qualquer momento fosse necessário lutar de novo.
Singrid, com o cabelo preso num coque torto e o olhar brilhando de orgulho.
Ragnar, de braços cruzados e com cicatrizes novas somadas às antigas.
Joster, com o sorriso aberto, gesticulando muito pra contar alguma parte da história que não precisava de tanta ênfase, mas ele dava mesmo assim.
Jaha e Gins, lado a lado, os dois com aquele jeito antagônico de ser. Um fala demais, e o outro fala pouco.
Shara’Kala, com os olhos marcados por noites sem dormir, mas vivos.
E milhares de habitantes do Vale, mais atrás, aglomerados nas bordas da praça, olhando para Íxion como se olhassem para uma muralha viva.
“Então, quando o céu abriu, foi você que segurou?” Uma mulher mais velha perguntou, com a voz embargada.
“Não sozinho.” Íxion respondeu, pela terceira vez, naquele mesmo tom seco: “O Vale segurou. Eu só fechei a porta.”
“‘Só’.” Gu Ren bufou, cruzando os braços: “Ele fala ‘só’ como se não tivesse trancado a cara de meio panteão.”
“Um deles quase entrou.” Íxion corrigiu, sem subir o tom.”
“Quase.” Ming Xiao observou: “Mas você impediu.”
Alguns guerreiros do Vale assentiram, murmurando coisas como “eu vi” e “achei que era o fim e, de repente, não era mais”.
Shara’Kala deu um passo à frente.
“Você enfrentou seus irmãos.” Ela disse, sem rodeios, olhando diretamente pra Íxion: “Ou algo perto disso.”
Íxion suspirou, impaciente.
“Não chame eles assim.” Ele respondeu: “Irmão é quem segura a casa junto. Eles tentaram derrubar. Isso é outra coisa.”
Ming Xue observava tudo em silêncio, com os olhos fixos em Íxion. Ela reconhecia aquele tipo de teimosia. Era o tipo de teimosia que ficava em pé mesmo quando não precisava mais.
“Íxion.” Ela falou, finalmente, com a voz suave, mas firme: “Obrigada.”
Ele desviou o olhar, desconfortável.
“Você não precisa…”
“Preciso, sim.” Ela o interrompeu, sem perder a ternura: “Você segurou o lugar onde vivem as nossas famílias. Você segurou a casa que construímos. Você segurou o Vale enquanto a gente atacava o universo inteiro. Eu tenho todo o direito de agradecer.”
Ming Xiao assentiu, lado a lado com a irmã.
“Como rei do Vale da Esperança…” Ele disse: “Eu confirmo. Você fez mais do que qualquer um tinha o direito de esperar.”
Íxion torceu a boca, como se aquilo fosse pior do que um soco.
“Se vocês continuarem assim, eu vou embora.” Ele avisou.
Joster riu alto.
“Ele não sabe receber elogios.” Ele comentou, divertido.
“Ele sabe.” Gins corrigiu, calmo: “Só não gosta. E isso o torna mais confiável.”
Risos espalharam-se pelo grupo, quebrando um pouco o peso do momento.
Foi nessa hora, enquanto as vozes enchiam o ar, que outra presença atravessou o espaço.
Zao Tian.
Ele não apareceu com luz ostentada demais, mas ainda assim, qualquer um que tinha lutado nos últimos dias reconhecia imediatamente a sensação que vinha com ele. Era como ver um fio de lâmina no escuro: não precisava estar encostando em você pra você saber que estava lá.
Ele surgiu na borda da praça e caminhou até o círculo, sem apressar os passos. O corpo falava tanto quanto o rosto.
Os ombros, normalmente eretos e prontos, estavam um pouco mais baixos. As marcas recentes de batalha não eram cortes; havia linhas de exaustão que nenhuma cura podia resolver. O olhar dele continuava firme, mas carregava algo a mais: um peso silencioso, que nenhum dos presentes confundia com vitimização.
Era a cara de quem tinha acabado uma guerra enorme… e já estava na próxima tarefa.
As conversas foram baixando, uma por uma, até que o silêncio tomou a praça.
Íxion foi o primeiro a falar.
“Você chegou.” Ele disse.
“Cheguei.” Zao Tian respondeu, parando diante do círculo.
Ele deixou o olhar correr por todos, um a um. Demorou um segundo a mais em Ming Xue, outro segundo em Ming Xiao, e um breve momento em Íxion. Era como se estivesse conferindo, silenciosamente, quem tinha voltado inteiro, quem faltava, quem estava de pé por pura vontade.
Os habitantes do Vale, mais atrás, se aproximaram um tanto. Havia respeito, curiosidade e um tipo estranho de gratidão. Zao Tian, ali, era o homem de quem todos tinham ouvido falar nos relatos da guerra, mas que poucos viam assim, tão cansado. O nome… parecia muito mais humano de perto.
Ming Xiao quebrou o silêncio.
“O ataque ao Olho?” Ele perguntou, direto.
“Acabou.” Zao Tian respondeu: “A estrutura caiu. Os entrepostos foram destruídos. Os escravos foram libertos. A Tríade perdeu um braço. A Trindade perdeu quase tudo o que tinha pra se esconder. O Olho, como organização… não existe mais.”
Por um instante, ninguém falou nada.
Não era surpresa, todos sabiam, mas ouvir a frase assim, inteira, em voz alta… tinha outro peso.
Gu Ren soltou um assovio curto.
“Então é isso.” Ele comentou: “Aquela coisa que parecia eterna… não é mais.”
“Não subestime a capacidade da desgraça de voltar com outro nome.” Ye Yang ponderou: “Mas, por hoje… sim. É isso.”
Cruz, ao lado, manteve o olhar baixo, mas havia algo em sua postura que dizia: Eu vi o que você fez. Eu sei contar as dívidas.
Zao Tian então voltou ao centro do círculo com o olhar.
“O Vale ficou inteiro.” Ele disse, como declaração: “Que foi o que eu pedi.”
Íxion cruzou os braços.
“Você pediu pra eu segurar a porta.” Ele respondeu: “Eu segurei. Era o mínimo que eu podia fazer”
Zao Tian assentiu.
“E é por isso que eu vim dizer isso na sua cara.” Ele falou: “Obrigado. Eu apostei em você e não errei.”
Pouca gente podia dizer que ouviu aquilo da boca de Zao Tian.
Íxion sustentou o olhar por um instante… e então desviou, incapaz de responder com algo elaborado.
“Não fique acostumado. Minha cabeça ainda está ferrada depois de todos aqueles anos no Tártaro.” Ele resmungou, arrancando algumas risadas da roda.
Zao Tian sorriu rápido, depois deixou o semblante voltar ao neutro. Havia outra coisa ali, presa na garganta.
“Íxion.” Ele continuou: “Eu vou precisar de você de novo.”
O círculo inteiro ficou mais atento.
Íxion ergueu levemente o queixo.
“Quando?” Ele perguntou.
“Não sei ainda.” Zao Tian respondeu, sincero: “Mas precisarei.”
Ele não explicou. Não naquele momento.
Íxion entreabriu a boca, como se fosse perguntar mais… e fechou.
“Quando você souber.” Ele disse: “Diga. Se eu estiver vivo, eu vou.”
Aquele foi um pacto simples. E, por isso mesmo, forte.
Ao redor, muitos viram aquilo e entenderam duas coisas ao mesmo tempo:
Primeiro: Zao Tian não via aquele momento como “fim”.
Segundo: Íxion também não.
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Depois das primeiras trocas, as atenções foram se dividindo.
Alguns guerreiros do Vale começaram a puxar Zao Tian para ouvir relatos. Joster tentou contar, pela quarta vez, como tinha sido quebrar a defesa de Asnam’Dur. Ragnar resmungou algo sobre bater em um inimigo como se batesse em uma bigorna.
Zao Tian ouviu. Não inteiramente, não com a calma que a história merecia, mas com respeito. A cada relato, ele confirmava mentalmente: ‘vivo, vivo, vivo… aquele morreu… aquela quase… esse perdeu metade da companhia…’
Ming Xue observava tudo um pouco de longe, analisando mais do que participando. Havia alívio no peito dela, o tipo de alívio que só quem viu o universo quase quebrar pode sentir, mas também havia outra coisa: uma preocupação silenciosa que não era sobre ela, nem sobre a guerra.
Era sobre ele.
Zao Tian não parava.
Ele não encostava as costas em lugar nenhum. Não relaxava a mão. Não deixava a expressão cair por mais de meio segundo. Era como se tivesse medo de que, se parasse, o universo resolvesse aproveitar a brecha pra cair mesmo.
Ming Xiao, ao lado da irmã, também via.
“Ele está segurando tudo ainda.” O rei murmurou, baixo, só pra ela ouvir.
“Ele sempre segurou.” Ming Xue respondeu: “Só que agora o ‘tudo’ é muito maior.”
Ming Xiao respirou fundo.
“Você vai falar com ele?” Ele perguntou.
“Vou.” Ela respondeu.
Ele assentiu, uma vez.
“Então vai como esposa.” Ele aconselhou: “Não como general. Pelo menos por alguns minutos.”
Ming Xue sorriu de leve.
“Eu não sei mais separar as duas coisas.” Ela confessou.
“Ele também não.” Ming Xiao devolveu, com um meio sorriso: “Talvez vocês dois aprendam juntos.”
Ela não respondeu. Só deu alguns passos em direção ao marido.
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Zao Tian acabou se afastando um pouco do centro da praça sozinho, depois que a primeira onda de relatos e elogios diminuiu. Não muito, pois ele ainda queria estar ao alcance de qualquer problema que surgisse, mas o suficiente para que a voz do povo virasse pano de fundo.
Ming Xue esperou esse momento.
“Marido.” Ela chamou, suavemente.
Ele virou o rosto na mesma hora. Mesmo assim, demorou um segundo para deixar o olhar sair da “posição de comando” e entrar na “posição de homem”.
“Xue.” Ele respondeu.
Ela se aproximou até ficar a um braço de distância, sem pressa.
“Você voltou.” Ela disse.
“Voltei.” Ele confirmou.
Por um instante, eles só se olharam. Sem abraços dramáticos. Sem lágrimas derramando. Eles já tinham se encontrado no meio de tantas crises que, para os dois, estar vivo ao alcance um do outro já era um milagre cotidiano.
“Eu ouvi sobre Anúbis.” Ming Xue comentou: “Sobre o gelo. Sobre Yan Chihuo.”
“Ele tá feliz com a cadeira nova.” Zao Tian respondeu, com um meio sorriso cansado: “Gaspar ainda não decidiu se faz piada ou xinga.”
Ela deixou escapar um riso suave, que morreu depressa.
“Eu também ouvi sobre o tratado.” Ela disse, indo direto ao ponto.
Ele não se fez de desentendido.
“Hatori falou?” Ele perguntou.
“Ming Xiao também.” Ela respondeu: “E Zargoth mandou uma mensagem curta. Foi o suficiente.”
Zao Tian respirou fundo.
“Então você já sabe.” Ele disse.
“Quero ouvir da sua boca.” Ela pediu.
Ele hesitou por um segundo, não por querer esconder, mas por saber exatamente o que significava dizer aquilo em voz alta para a mulher que dividia a vida com ele.
“Eu propus reféns.” Ele começou: “Garantias vivas entre humanos, orcs e krovackianos. Gente de peso, de todos os lados, vivendo sob a guarda do outro. Se um lado quebrar a paz… morre sangue próprio. Sem ter como fingir.”
Ming Xue assentiu, sem interromper.
“Pra começar isso.” Ele continuou: “Eu ofereci meu irmão. Zao Rei.”
Ela fechou os olhos por um instante, absorvendo.
“Você vai mandá-lo?” Ela perguntou, aberta a qualquer resposta.
“Se o tratado for aceito, sim.” Zao Tian respondeu: “Ele vai viver sob a guarda de Uhr’Gal e dos clãs que aceitarem. Vai ser a prova de que nós não pretendemos dominar ninguém.”
Ming Xue respirou fundo. Ela conhecia Zao Rei. Conhecia a forma como ele olhava o mundo, a maneira simples como ele media as coisas. Um humano sem cultivo, num universo que quase sempre mede valor em poder.
“Ele sabe?” Ela perguntou.
“Ainda não.” Zao Tian admitiu: “Eu vou falar com ele depois.”
Ming Xue apoiou as mãos nos quadris por um instante, pensativa, depois deixou os braços caírem.
“É uma decisão nobre.” Ela disse, enfim: “E inteligente. Você amarrou a paz em algo que importa. Não é papel, não é uma promessa vazia. É sangue.”
Ele quase riu, sem humor.
“É o que eu tenho pra pagar.” Ele falou.
Ela deu um passo a mais, deixando os dedos roçarem levemente a manga dele. Não foi um gesto exagerado. Foi um “estou aqui”.
“O Xiao também acha.” Ela comentou: “Que você acabou de criar uma diplomacia histórica. Que você se tornou um pilar central de uma estrutura gigantesca. Que, se isso der certo, orcs, krovackianos e humanos vão usar seu nome nos próximos séculos… não só como guerreiro, mas como alguém que amarrou o universo de um jeito novo.”
Zao Tian fez uma careta leve.
“É justamente isso que me preocupa.” Ele disse: “Quanto mais coisa amarrada no meu nome, mais fácil fica pra tudo desabar se eu errar um passo que seja.”
Ming Xue o encarou, com doçura e firmeza misturadas.
“Você vai errar.” Ela falou: “Uma hora. Em alguma coisa. É humano. O que importa é o que você faz depois. E isso… você já provou mais de uma vez.”
Ele ia retrucar, mas ela levantou uma mão, pedindo silêncio.
“Mas…” Ela continuou: “Isso que você fez vai te custar caro. Pro resto da vida.”
“Eu sei.” Ele respondeu.
“Vai haver noites…” Ela disse, sem doce na voz agora, apenas verdade: “Em que você vai acordar achando que ele morreu. Vai ter dias em que cada mensagem que atrasar um pouco vai parecer notícia de que alguma coisa aconteceu. Cada vez que alguém falar ‘Uhr’Gal’ em tom errado, você vai ouvir ‘Zao Rei’ atrás. E isso não vai passar nunca.”
Zao Tian não desviou o olhar. Ele já tinha tido essa conversa consigo mesmo. Ouvindo da boca dela, doeu mais… e encaixou melhor.
“Você tem coragem.” Ming Xue completou: “Eu não teria.”
Ele arregalou um pouco os olhos.
“Você não…?” Ele começou.
“Não.” Ela respondeu, sendo honesta: “Eu amo meu povo. Amo nosso mundo. Amo a ideia de paz, gosto menos de guerra do que você imagina. Mas se alguém colocasse a minha família numa balança dessas… eu não sei se eu teria coragem de usá-la como âncora. Eu não sei se conseguiria viver com a possibilidade constante de perdê-los por uma promessa quebrada de outro.”
Ela respirou e olhou brevemente na direção de Ming Xiao, que conversava com Gu Ren do outro lado da praça.
“O Xiao também disse isso.” Ela continuou: “Que, no seu lugar, ele não teria coragem. Que ele preferiria por o próprio pescoço na guilhotina a colocar alguém da família.”
Zao Tian passou a mão pelo rosto, devagar.
“Talvez eu devesse ter feito isso.” Ele murmurou: “Me colocado no lugar.”
“Não.” Ming Xue discordou, na hora: “Se você se colocasse como refém, esse tratado nunca ia se sustentar. O universo inteiro depende das coisas que você ainda tem que fazer. Quer você goste ou não, você é um pilar. Tirar você do tabuleiro não é corajoso, é irresponsável.”
Ela abaixou um pouco a cabeça, depois levantou de novo.
“Zao Rei…” Ela disse: “É inocente. Justamente por isso é a melhor prova que você podia oferecer. E é por isso que dói tanto. Porque você não está mandando alguém descartável. Está mandando alguém que você ama e que não tem nada a ver com isso. Isso torna o tratado real.”
Ele fechou os olhos por um segundo.
“E se der errado?” Ele perguntou, baixo.
Ela não fugiu da pergunta.
“Se der errado…” Ela respondeu, na mesma altura: “Você vai me ter do seu lado, você vai ter o Xiao, vai ter o seu pai… você vai ter o Vale inteiro, a Dinastia Yang, Gard, Hill e quem mais dever alguma coisa a você. E nós vamos atrás dele. E do mundo inteiro, se for preciso.”
O silêncio depois disso não foi leve, mas também não foi desesperado. Foi um silêncio de pessoas que estavam olhando a verdade de frente e dizendo ‘vamos carregar isso juntos’.
“Você não precisa carregar tudo sozinho, Tian.” Ming Xue falou, por fim: “Eu sei que você acha que precisa. Eu sei que, na cabeça de muita gente, tudo termina em você. Mas eu estou aqui. Meu irmão está aqui. Seus amigos estão aqui. Se você cair, a gente segura.”
Ele olhou pra ela de um jeito que não deixava muitas rachaduras pra fora, mas, ainda assim, havia algo diferente ali. Uma parte do peso se ajeitando nos ombros, não porque ficou mais leve… mas porque encontrou outro ombro pra encostar.
“Eu não vou parar tão cedo.” Ele confessou, sem defesa.
“Eu sei.” Ela disse: “E tenho orgulho disso.”
Ming Xue deu um meio sorriso.
“Mas, se você um dia quiser sentar…” Ela acrescentou: “Eu sento do seu lado. E empurro você pra levantar de novo, se for preciso.”
Zao Tian riu, baixo.
“Isso eu não duvido.” Ele falou.
Ela tocou a mão dele, desta vez com firmeza, entrelaçando os dedos.
Ele apertou de volta.
“O tratado.” Ele disse: “Vai levar tempo até ser escrito. Até as tribos responderem. Até os clãs decidirem quem mandam. Até Zao Rei estar pronto… se é que dá pra estar pronto pra isso.”
“Então use esse tempo.” Ming Xue sugeriu: “Pra respirar um pouco. Pra falar com ele. Pra falar com você mesmo. Pra lembrar por que está fazendo isso.”
Ele assentiu.
“Eu vou tentar.” Ele respondeu.
“Esse ‘tentar’ já é mais do que você dizia antes.” Ela observou: “Antes você só dizia ‘não dá’.”
Zao Tian abriu um sorriso que, pela primeira vez naquele dia, parecia um pouco menos armado.
“É.” Ele concordou: “Olha só. Evolução.”
Ela riu, baixinho.
E, por alguns segundos, o Vale à volta desapareceu. Não havia guerra, nem Deuses congelados, nem tratados, nem reféns futuros, nem famílias Shui escondidas, nem Trindade à solta. Havia só dois seres que tinham andado demais, visto demais, perdido demais… e ainda assim escolhiam ficar de pé, lado a lado, olhando pro mesmo horizonte.
Ambos sentiam uma dor profunda por ter que mandar Zao Rei para Uhr’Gal, mas, infelizmente, as coisas são assim. O sacrifício só é nobre, aceitável e incentivado quando não é aqueles que você ama que estão sendo sacrificados.
