Capítulo UHL 1141 - A Hora da Verdade
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Tenham uma boa leitura!]
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Alguns dias passaram no Vale da Esperança, e, à primeira vista, parecia que nada tinha mudado.
As mesmas trilhas de terra eram pisadas por passos apressados. Os mesmos campos de treino continuavam com gritos, respiração, correção de postura e repetição exaustiva.
As mesmas formações espirituais vibravam sob as rochas, invisíveis para quase todos.
Mas, por cima de tudo isso, havia uma mudança que não era vista. Era sentida.
A ideia de Zao Tian tinha começado a virar trabalho.
Gaspar não respondeu “para quando” com uma data.
Respondeu com uma sequência de decisões.
No dia seguinte àquela conversa sob o domo, ele e Joster já estavam no mesmo lugar, em um platô ao norte do Vale, onde o céu parecia um pouco mais aberto e o terreno tinha menos interferência de construções.
E, por mais improvável que aquilo parecesse, havia um terceiro com eles de forma constante.
Jaha.
Zao Tian não precisou ordenar essa presença. Foi natural.
Se havia uma pessoa em Decarius com capacidade de se sentar diante de um absurdo e perguntar “como”, em vez de “por quê”, era Jaha.
Ele não chegava com bravatas, nem com a empolgação infantil de quem vê um sonho grande. Chegava com perguntas ruins, daquelas que ninguém gosta de ouvir porque expõem a parte feia do plano.
“Qual é o raio efetivo?”
“Qual a distância mínima segura da atmosfera para não gerar interferência significativa em pressão, circulação e rotas de energia ambiental?”
“Como vocês pretendem iniciar a primeira camada sem um perímetro físico?”
“Quanto tempo vocês conseguem sustentar um trecho suspenso sem perda de controle preciso?”
“Quantas falhas são aceitáveis antes de vocês destruírem metade de um hemisfério?”
Gaspar, que tinha passado séculos sendo “a muralha”, descobriu que havia um tipo de ataque que nem monstros e deuses entregavam.
Eram perguntas bem feitas.
E, mesmo assim, ele não recuou.
Joster também não.
Quando os três começaram a trabalhar de fato, o projeto deixou de ser “um domo planetário” e passou a ter nome de negócio, de rotina e de risco.
Primeira fase: modelagem do método de construção.
Segunda fase: determinação de distância orbital mínima.
Terceira fase: teste de ancoragem em segmentos, sem solo.
Quarta fase: protocolos de contingência caso algum segmento perdesse estabilidade.
Quinta fase: integração de múltiplas camadas, para que a casca não fosse apenas “grossa”, mas inteligente na forma como distribuía tensão, impactos e propagação de energia.
Jaha desenhava isso em placas de pedra com cortes finos, não com tinta. Ele preferia gravar. Não por estética, mas por durabilidade e precisão.
Gaspar e Joster não falaram, nos primeiros dias, sobre heroísmo.
Falaram sobre peso.
“Se eu materializar uma faixa larga demais de uma vez, ela afunda antes de eu conseguir fechar o arco.”
“Se eu fizer estreita demais, eu gasto energia demais com emendas e o conjunto perde integridade.”
“Se eu criar muito perto da atmosfera, o planeta vai sentir como uma mão apertando o pescoço.”
“Se eu criar muito longe, a casca vira um anúncio visível para qualquer divindade entediada.”
“Se eu sustentar por muito tempo, minha concentração cai, e um erro de concentração em diamante não é um trincado. É uma ruptura.”
Na prática, o plano começou a ganhar forma como um compromisso brutal.
Mas uma coisa era certa… a partir do dia em que a casca estivesse de pé, Decarius mudaria para sempre.
A primeira consequência, imediata, era a que quase ninguém tinha coragem de dizer em voz alta: o planeta entraria em quarentena.
Não por decreto, mas por pura física.
Uma casca externa, além da atmosfera, impediria a saída comum.
Cultivadores comuns não “subiam” até fora do mundo e atravessavam. Até mesmo muitos níveis altos preferiam trajetos diretos, correndo pelo céu, pelo vácuo, como quem cruza um rio com a força do próprio corpo.
Com a casca fechada, isso acabava.
A única forma de sair do planeta seria por fendas espaciais.
Um movimento de alto nível.
Uma técnica difícil.
Uma saída que não passaria despercebida.
E isso era o ponto.
A partir dali, ninguém entraria ou sairia sem que as principais lideranças percebessem.
Nenhuma invasão em massa.
Nenhum ataque surpresa de destruição em escala planetária, vindo do nada.
Nenhum “apareceu em cima da capital e explodiu o continente”.
O medo constante de que o céu pudesse cair por capricho de uma guerra distante pararia de existir.
E, para todo ser vivo que dormia em Decarius, aquela mudança teria um peso que nem todos conseguiriam expressar.
Zao Tian entendeu isso antes de qualquer um.
Ele não inventou a ideia do nada.
Ele tinha aprendido com a história.
Com a Grande Guerra.
Com Pemma Wangchuck.
Naquele tempo, enquanto os deuses quebravam o mundo como se fosse um brinquedo barato, Pemma tinha passado boa parte da guerra fazendo uma coisa que quase ninguém conseguia imaginar como “função”.
Ele reconstruía o planeta inteiro em tempo real.
Não como um gesto grandioso de exibição, mas como uma necessidade.
Se Pemma deixasse o chão colapsar, se as placas do mundo se partissem, se o núcleo entrasse em instabilidade por causa dos impactos, a guerra nem teria continuação. Teria fim imediato, com bilhões esmagados pela própria casa despencando.
A presença dele na guerra tinha sido, ao mesmo tempo, escudo e reparo.
Enquanto outros lutavam, ele mantinha Decarius habitável. Inteiro.
Zao Tian não esquecia isso.
Não porque gostasse de reverenciar o passado, mas porque o passado tinha deixado uma lição simples: se a guerra ocorre dentro do planeta, o planeta vira uma vítima.
Se a guerra é levada para fora, a vida dentro dele ganha uma chance.
Com a casca de diamante espessa o bastante, era isso que mudaria.
Mesmo que uma batalha estourasse em escala absurda, a linha de combate teria que ser deslocada para fora.
O mundo deixaria de ser o campo inevitável.
E vidas inocentes, que não tinham nada a ver com Trindade, deuses, Olho, orcs, krovackianos ou pactos antigos, seriam poupadas sem nem saber quem as poupou.
Zao Tian considerava esse tipo de vitória a única que realmente importava a longo prazo.
Mas, mesmo pensando em tudo isso, ele não ficou para assistir a cada cálculo.
O projeto exigia tempo, e o tempo era o recurso mais caro da guerra.
Enquanto Gaspar e Joster trabalhavam com Jaha, Zao Tian se preparava para outra tarefa que não dava para adiar com boa consciência.
Uhr’Gal.
A reunião final para selar o tratado de paz e cooperação entre humanos, orcs e krovackianos.
O acordo já tinha sido pré-moldado em conversas tensas, em ameaças com roupas de formalidade, e em negociações frias demais para parecerem humanas, mas o ato final precisava acontecer com todos os olhos presentes.
E precisava da troca de reféns.
Por isso, Zao Rei estava com ele naquele dia.
Zao Rei não tinha cultivo. E era exatamente isso que fazia a presença dele ter peso.
Ele não estava ali como uma força.
Estava ali como valor.
Como prova.
Como a peça viva de uma promessa.
Shara’Kala também estava junto.
Não mais como khan de Uhr’Gal, mas como rosto conhecido entre os orcs, alguém que podia atravessar o ambiente cheio de facas invisíveis sem que cada passo fosse interpretado como uma provocação.
Ela estava ali porque, por mais que muitos odiassem admitir, havia tribos que ainda escutariam a palavra dela antes de escutar a palavra de qualquer humano.
Antes de partirem, os três se encontraram numa clareira discreta no Vale, longe do centro, onde o movimento era menor e o silêncio parecia mais honesto.
Zao Rei caminhava como alguém tentando não tropeçar na própria ansiedade.
Ele olhava para o céu do Vale, para o domo, para as formações, para o movimento de cultivadores indo e vindo, e parecia sentir, com atraso, a dimensão do que estava prestes a atravessar.
Zao Tian observou o irmão por alguns segundos sem falar.
Ele lembrava bem como era sentir-se pequeno em um mundo que não parava de crescer.
“Você está pensando em desistir?” Zao Tian perguntou, sem a suavidade desnecessária.
Zao Rei soltou uma risada nervosa.
“Eu não tenho nem luxo para isso.” Ele respondeu: “Eu só… estou tentando entender quando foi que a minha vida virou isso.”
Shara’Kala soltou um som curto, algo entre um riso e um desprezo pelo próprio destino.
“Todo mundo acha que a vida muda com um grande evento.” Ela disse: “Mas ela muda quando você não percebe. Quando percebe, já está em outro chão.”
Zao Rei olhou para ela.
“Eu não tenho cultivo.” Ele disse, como se pedisse desculpa ao mundo: “Eu não tenho nada que faça alguém me respeitar lá.”
Zao Tian respondeu sem pressa.
“Você tem uma coisa que quase ninguém tem.” Ele disse. “Você tem coragem suficiente para atravessar aquele lugar sabendo que não pode resolver nada com os punhos.”
Zao Rei apertou os lábios.
“Coragem ou estupidez.” Ele murmurou.
“Coragem.” Shara’Kala corrigiu.: “Estupidez é achar que só força resolve.”
Zao Tian assentiu para reforçar.
“Você está indo como parte de um acordo.” Zao Tian disse: “Isso já te protege mais do que você imagina. E você está indo com a gente. Eu não vou deixar ninguém usar você como um espetáculo.”
Zao Rei respirou, tentando absorver.
“Eu sei.” Ele falou: “Eu só… estou deixando tudo para trás. Cada coisa. Cada rotina. Cada pessoa.”
Shara’Kala inclinou a cabeça.
“Bom.” Ela disse, sem crueldade: “Se você voltar vivo, isso vira uma baita de uma história.”
Zao Rei olhou para ela de novo, confuso.
“Uma história que ninguém vai acreditar.” Shara’Kala completou, e havia um traço de diversão nisso: “O irmão sem cultivo do homem mais temido do planeta indo para a capital de um mundo orc para servir de garantia em um tratado com krovackianos.”
Zao Rei soltou um ar que quase parecia riso.
“Você fala como se fosse engraçado.”
“É.” Ela respondeu. “Mas não porque é leve. É porque é absurdo.”
Zao Tian olhou para o irmão.
“Você queria ajudar.” Ele disse: “Agora está ajudando a salvar as vidas de bilhões de humanos, orcs e krovackianos.”
Zao Rei apertou os punhos, e por um instante o medo virou outra coisa.
Orgulho.
“Eu queria.” Ele admitiu: “E… eu ainda quero.”
“Então para de olhar como se estivesse indo para a morte.” Shara’Kala disse, seca: “Se for para morrer, pelo menos vai com a postura certa.”
Zao Tian deixou um sorriso curto escapar.
“Ela está certa.” Ele disse: “Respira. Olha para frente. E guarda isso. Você vai voltar. E vai ter o que contar.”
Zao Rei assentiu, mais devagar, como quem tenta se estabilizar.
Então, após ele ter seu tempo, Zao Tian deslocou a energia espiritual.
Nada de espetáculo.
Nada de luz desnecessária.
A realidade apenas cedeu num ponto específico, e o caminho se abriu como uma fenda limpa, precisa, do tipo que não rasga o mundo à força, mas entra no lugar certo.
A sensação de passagem foi curta.
E, quando terminou, eles já estavam nas margens de Uhr’Gal.
O choque veio no mesmo instante.
Não pelo céu.
Não pelo solo.
Mas pela quantidade de presenças.
Uhr’Gal estava lotado.
Aquela não era uma reunião pequena de líderes.
Era um encontro de mundos.
Comitivas de tribos orcs de planetas diferentes ocupavam áreas inteiras como se fossem bairros improvisados.
Bandeiras de guerra, marcas de clã, símbolos entalhados em metal, em osso, em pedra, em couro grosso.
Pessoas indo e vindo em fluxo constante, como formigas de naturezas incompatíveis tentando ocupar o mesmo território sem se esmagar.
E, misturados a eles, havia krovackianos.
Não só de um planeta.
De vários.
Cada grupo carregando sua própria forma de presença, alguns tentando parecer pacíficos demais, outros fazendo questão de caminhar como uma ameaça.
Zao Rei ficou parado por um segundo longo.
Ele olhou para um lado.
Olhou para o outro.
E a garganta dele se moveu, ficando seca.
“Isso…” Ele tentou dizer algo, e não encontrou a palavra certa.
Shara’Kala observou o ambiente com uma atenção prática, como quem conta quantas facas existem em uma sala.
“Não encosta em ninguém.” Ela avisou, baixo: “Não porque é errado. Porque aqui… qualquer toque vira um pretexto.”
Zao Rei assentiu de imediato, e o corpo dele ficou rígido.
Zao Tian não precisava olhar para saber o que ele estava sentindo.
Ali não havia o conforto do Vale.
Ali havia uma tonelada de histórias acumuladas em cicatrizes.
E o que mais pesava não era a hostilidade direta.
Era a tensão infantilizada de quem quer ser ofendido para poder reagir.
Orcs encaravam orcs com olhos ruins, por política de clã, por memórias de disputas, por feridas antigas.
Orcs encaravam krovackianos como se qualquer respiração estivesse errada.
Krovackianos encaravam orcs como se estivessem em um território em que a qualquer momento o chão poderia virar o palco de uma briga.
E, no meio disso, humanos.
Poucos.
Suficientes para serem vistos, mas insuficientes para se sentirem confortáveis.
Zao Rei sentiu isso com força.
Ele não precisava entender a política inteira para perceber que aquele lugar era uma bomba.
Uma bomba construída com orgulho, tradição e ressentimento.
E uma bomba não precisava de um grande ataque para explodir.
Precisava apenas de uma faísca.
Um empurrão no corredor.
Uma palavra mal encaixada.
Um olhar interpretado como deboche.
Ele engoliu seco, pois era a única coisa que podia fazer.
Zao Tian percebeu a movimentação do irmão pelo canto do olho.
“Não deixa o ambiente te engolir.” Zao Tian disse, baixo, sem parecer que estava consolando: “Só observa. Aprenda. E fica onde eu estiver.”
Zao Rei respirou fundo.
“Eu estou.” Ele respondeu.
Shara’Kala então deu um passo à frente.
“Vamos.” Ela disse: “Daqui para frente, cada segundo é observado.”
Zao Tian varreu o horizonte com a atenção de quem já tinha atravessado salões piores.
Ele sentiu as presenças mais fortes.
Sentiu grupos se organizando.
Sentiu o tipo de liderança que não fala alto, mas muda a direção de tudo só ao levantar o queixo.
E ele sentiu, também, algo que deixava o ambiente ainda mais delicado.
Expectativa.
Não uma expectativa de paz.
Mas uma expectativa de teste.
Como se todos ali, no fundo, estivessem esperando que alguém falhasse só para o mundo voltar ao padrão antigo, aquele em que o conflito era mais fácil do que confiar.
Zao Rei olhou em volta mais uma vez, e, agora, o choque tinha virado outra coisa.
Realidade.
“Eu achei que ia ser… uma reunião.” Ele murmurou.
Shara’Kala respondeu sem olhar para ele.
“Isso é uma reunião.” Ela disse: “Só que, para orcs e krovackianos, reuniões sempre foram lugares onde se mede quem sustenta a própria vontade.”
Zao Tian deu um passo, abrindo caminho no meio do fluxo.
“E é por isso que você importa aqui.” Ele disse ao irmão, num tom que o ambiente não captaria como carinho: “Você não está aqui para vencer ninguém. Está aqui para provar que a gente ainda consegue cumprir nossas palavras.”
Zao Rei assentiu, e, apesar do medo, os olhos dele firmaram.
“Então vamos acabar logo com isso.” Ele disse, tentando parecer mais forte do que se sentia.
Zao Tian não respondeu com um elogio.
Respondeu andando.
E, atrás dele, o mundo de Uhr’Gal continuou pulsando como uma multidão em contenção.
Uma massa de histórias e tensão circulando em volta de um único objetivo.
Selar a paz e a cooperação.
Ou provar, de uma vez, que ninguém ali queria aquilo.
